UND: Nas últimas semanas começamos a ver um novo capítulo da atual crise na Síria, onde há quase 17 meses, estamos vendo um verdadeiro embate entre forças do governo contra rebeldes de oposição no país árabe.
Os protestos populares na Síria começaram em março de 2011 em Deera, uma cidade no sul daquele país e vêm na esteira da chamada " Primavera Árabe" uma revolução popular que teve início na Tunísia, norte da África em dezembro de 2010, que logo se espalhou por alguns países do mundo árabe, como por exemplo, Argélia, Egito, Iêmen, Bahrein, Líbia e em escala mais duradoura como é o caso agora da própria Síria.
Manifestações populares da chamada Primavera Árabe
Estes movimentos populares no mundo árabe, tem por objetivo direto,pedir por mudanças políticas que levam a formação de governos eleitos e " democráticos", pois na maioria dos países onde ocorreram estas revoltas, fazia-se notar ditaduras que atendiam sobremaneira a interesses externos dos senhores globalistas.
Então vimos como consequência dessas revoltas populares, a quedas de governos na Tunísia ( Ben Ali ), Egito ( Hosni Mubarak), Iêmen ( Ali A.Saleh ), na Líbia ( onde um emaranhado de grupos oposicionistas se reuniram num chamado CNT- Conselho Nacional de Transição -líbio, para derrubar a Mummar Kadafi ) e com isso o CNT contou com dinheiro e armas e mercenários externos dos países ocidentais e de monarquias árabes do Golfo, com o apoio da OTAN, para pilharem a Líbia pós Kadafi.
Algumas lideranças que foram atingidas pela fúria popular da chamada Primavera Árabe. 4 destes acima foram depostos, sendo um morto-M.Kadafi da Líbia.
Entre tanto alguns mesmo sob pressão ainda continuam se mantendo no poder
A mesma Primavera Árabe de protestos ameaçou derrubar o governo muçulmano sunita da monarquia árabe do Bahrein no Golfo ( Rei Hamad Al Khalifa ), onde há uma população expressivamente xiita. Ali os protestos foram contidos desde então por conta de uma intervenção das forças de segurança da vizinha Arábia Saudita.
Forças sauditas se dirigindo ao Bahrein, país que enfrentou uma série de protestos populares contra o governo nos últimos meses
No entanto na Síria a correlação de forças vão muito além, por ser um país com segmentos religiosos distintos, que podem fazer a atual guerra civil limitada a um confronto entre governo e oposição ,ir além das fronteiras sírias e mergulhar o Oriente Médio em uma guerra regional de consequências imprevisíveis.
Nestes meses a violência se arrastou a margem de tentativas, tanto da oposição em buscar se organizar em um CNT sírio, com sede na Turquia,obtendo dinheiro e armas do ocidente e nações árabes do Golfo, no mesmo modelo do que foi imposto a Líbia, meses antes com apoio da OTAN, e do outro lado o regime de Assad tentando recuperar o total controle do país e com isso vem resistindo com certo apoio interno, principalmente de sua ala da minoria religiosa Alawita. No front externo, o regime de Assad vem sofrendo uma gama de pressões, onde alguns países decidiram aplicar sanções unilaterais contra o regime sírio a fim de pressioná-lo a ceder as demandas da oposição.
Já que no CS da ONU, existe uma forte divisão entre os países membros permanentes e com poder de veto no organismo internacional formado por EUA-Inglaterra-França-Rússia e China, para alcançarem um acordo sobre resoluções que foram apresentadas exigindo mais sanções contra o regime sírio de Assad, portanto vem sendo barradas por Rússia e China no CS.
Rússia e China, tem na Síria de Assad, um grande aliado político e estratégico aos seus interesses no Oriente Médio face ao avanço dos interesses ocidentais naquela região do planeta.
A falta de consenso entre as grandes potências para encontrarem uma solução para o conflito sírio, só vem agravando a situação do país árabe, pois a oposição síria com seu Exército sírio livre vem recebendo todo o apoio já não tão velado de países árabes e ocidentais, tendo como porto seguro o território da Turquia.
A Turquia já teve um momento de melhores relações diplomáticas com a Síria, mas ultimamente visto a violência no território sírio e suas implicações para com a Turquia, as relações vem ficando cada vez mais tensas.
Rebeldes do Exército sírio livre
O apoio que a Turquia dá a oposição síria não agrada a Damasco, a Turquia é membro da OTAN e algumas semanas atrás chegou a consultar este organismo militar sobre um abate que teria sido feito pelas forças sírias, de um avião caça turco que havia adentrado o espaço aéreo sírio e logo caindo no mar.
Desde então a Turquia vem posicionando forças militares ao longo da fronteira com a Síria, precavendo-se para um possível confronto em larga escala que se avizinha.
Forças militares turcas que vem se concentrando ao longo da fronteira com a Síria
Um acordo de cessar fogo,vem sendo tentado através do enviado especial da ONU-Liga Árabe, o ex-Sec.Geral da ONU,Kofi Annan, mas na prática nunca implementado, mesmo pela presença de observadores internacionais in loco.
O ex-Sec.Geral da ONU e atual enviado especial da ONU -Liga Árabe para a Síria, Kofi Annan
Assad por sua vez nas últimas semanas, vem sentindo o recrudescimento dos combates com as forças de oposição, que chegaram próximas do coração da capital Damasco, e onde um suicida conseguiu se infiltrar em uma reunião do alto comando governamental em um dos prédios do governo , vindo a se explodir.
De início o ataque ceifou a vida de três figurões do regime, um dos quais era cunhado de Assad, um quarto oficial morreu nos últimas dias.
O Líder sírio, Bashar Al Assad
Rapidamente após o duro baque sofrido, Assad logo substituiu os ministros mortos durante o ataque e intensificou em diversas áreas não só da capital Damasco, mas em outras áreas do país, suas ações para tentar sufocar a rebelião armada contra o seu regime, minando as chances para uma paz duradoura. Pelo que consta Assad teve sucesso ao repelir os opositores que conseguiram tomar alguns bairros da capital e agora no entanto, concentra uma enorme força militar para deter o controle total de Allepo, a 2ª maior cidade do país e considerada o maior centro financeiro da Síria que está infiltrada por rebeldes. A conquista de Allepo é fundamental tanto para o governo quanto mais para a oposição, pois nesta cidade, para os opositores, pode se tornar a capital da oposição ao regime, como fora Benghazi a segunda maior cidade líbia contra Kadafi.
Outro temor que vem ganhando preocupação é quanto ao uso de armas químicas do arsenal sírio neste conflito, algo já admitido pelas autoridades sírias de que tem posse destes agentes químicos e que poderão vir a usar estes artefatos, caso sofra uma intervenção externa.
Israelenses em fila para adquirirem kit anti-agentes químicos
O alarme soou mais alto em Israel que já conviveu com o fantasma de um ataque químico durante a Guerra do Golfo Pérsico em 1991, quando forças do então ditador Saddam Hussein do Iraque, ameaçou utilizar agentes químicos contra Israel, porém o estado hebreu apenas sofreu a queda de algumas dezenas de mísseis Scuds iraquianos ,durante aquele conflito.
Mas hoje a questão é muito mais perigosa, já que a Síria faz fronteira com Israel com o qual mantém um Estado de Guerra por conta das disputas em torno das Colinas de Golã ( que Israel capturou da Síria na Guerra dos Seis Dias em 1967 ).
Outra preocupação das autoridades israelenses é quanto a aliança entre o regime de Assad com o regime iraniano dos Aiatolás.
O Irã assim como a Síria, são inimigos de Israel e ambos mantém apoio ao grupo extremista islâmico xiita pró-iraniano libanês, o Hezbollah ( Partido de Deus ) e que controla o sul do Líbano que faz fronteira com o norte de Israel.
Xeque Hassan Nasrallah- O líder do Movimento Extremista Islâmico -Hezbollah
Em 2006 o Hezbollah, chegou a surpreender com uma ação contra as forças de Israel o que deflagrou uma guerra de mais de um mês, entre Israel e o Hezbollah que infringiu baixas consideráveis não só aos civis libaneses mas também aos israelenses.
E para Israel a sua segurança passou a ficar ainda mais ameaçada, quando se levantou a suspeita de que com um colapso do regime sírio, pode levar as armas químicas daquele pais e outras armas mais sofisticadas a parar nas mãos de grupos de resistência, como o Hezbollah ou até mesmo a Al Qaeda. Israel no entanto, não descarta o uso da força militar se necessário para garantir sua segurança, destruindo estes arsenais sírios.
Israel também está tendo que lidar com a possibilidade de vir a atacar as instalações nucleares iranianas em um dado momento, caso as negociações ( pífias ) entre o Irã e o chamado Grupo P5 + 1 formado por ( EUA, Inglaterra, França, Rússia e China ) mais a Alemanha, não consigam convencer o Irã a parar seu programa nuclear que é suspeito pelas grandes potências por estar desenvolvendo armas nucleares, mas que o Irã nega e diz ser apenas para produzir energia para fins pacíficos .
O negociador para as questões nucleares iranianas Saeed Jalili e a Chefe de Política Externa da UE Catherine Aston
O Irã não deixa de ser outra peça explosiva no tabuleiro geoestratégico do Oriente Médio e tanto sabe que se o regime de Assad cair, as coisas se complicam para o se lado em tentar manter uma frente contra Israel. O Hezbollah libanês pode ter mais dificuldades em obter o apoio de Teerã se um governo simpático aos EUA se estabelece na Síria.
Um novo governo sírio também não resolverá a situação e pode complicar as coisas, já que Israel não vê com bons olhos governos eleitos que estão se constituindo através da Primavera árabe, levando grupos islâmicos simpáticos a Irmandade Muçulmana, (ela já assumiu o controle no Egito ) e é provável que num momento que a Síria se estabilize após Assad, venham grupos simpáticos a Irmandade que cheguem ao poder em Damasco. Ou a Síria também possa dar lugar a um processo que ficou comumente conhecido nos anos 90 na antiga Iugoslávia, processo este que se chama balcanização ou seja, a fragmentação de uma nação por conta de diversos interesses em jogo.
O número de refugiados pelo conflito sírio só aumenta na Turquia, Iraque, Jordânia e Líbano. Um caso peculiar não deixa de ser o Líbano, que pode já estar em vias de ser tragado pela tsunami da crise síria, pois na cidade de Trípoli no norte libanês, estão sendo cada vez mais relatados, casos de confrontos entre grupos pró e contra o regime de Assad da Síria.
Vale lembrar que o Líbano é uma comunidade multi-confessional e que já esteve mergulhado em uma Guerra Civil entre vários grupos entre 1975 a 1990 que chegou a tirar o sono dos EUA e e Israel nos anos 80.
Curdos: Outra frente que pode alastrar o conflito.
A região do Curdistão no Oriente Médio
Além da questão síria, ainda podemos citar a causa curda, um povo sem pátria com mais de 25 milhões de habitantes, que vive entre o norte do Iraque, sudeste da Turquia, noroeste do Irã e nordeste da Síria e em menor escala se encontra curdos em alguns países do Cáucaso.
Os curdos foram mantidos de fora da repartição que se seguiu após o término do período colonial europeu em alguns países do Oriente Médio e hoje reinvindicam maior autonomia ou independência de fato dos países que detém o controle de seus territórios.
A Turquia desde 1984, vem enfrentando rebeldes curdos do chamado PKK- Partido dos Trabalhadores do Kurdistão, conflito que desde então já vitimou mais de 45 mil pessoas no sudeste curdo da Turquia.
O PKK tem suas bases operacionais no norte curdo do Iraque e sempre são atacados pelas forças turcas, que desde na época de Saddam, por conta de uma ausência de uma forte presença militar iraquiana no norte curdo do Iraque, vem então invadindo militarmente a área para eliminar combatentes curdos do PKK em solo iraquiano.
Agora talvez numa manobra de Assad na Síria, para não ver a minoria curda síria se voltar contra o regime, vem talvez permitindo que os rebeldes do PKK comecem a usar as áreas curdas sírias como ampliação de suas bases operacionais para futuras ações contra alvos turcos.
Mas o governo turco vem deixando claro que pode vir a atacar bases do PKK na Síria se sua segurança estiver ameaçada. Resta saber se o PKK ao surgir contra a Turquia a partir do território curdo sírio, , qual será a resposta da Síria a uma ação militar turca contra o PKK na Síria?
Essa iniciativa pode levar os curdos da Síria e Iraque a buscarem criar um estado único curdo independente a partir dos territórios destes países e terá reflexos nas áreas curdas da Turquia e Irã, dai um dos fatores que pode levar a guerra civil síria a sair de suas fronteiras e jogar a região numa guerra sectária que envolveria curdos e turcos ( muçulmanos sunitas ), árabes ( muçulmanos sunitas e xiitas ), árabes cristãos ( Drusos e outros ), árabes sírios da minoria Alawite, iranianos ( muçulmanos xiitas ) israelenses ( Judeus ) etc.
Será um espetáculo dos horrores infernais na Terra, se isto chegar as vias de fato e não podemos esquecer que um conflito desta monta não envolverá as grandes potências, tais como EUA e países Europeus apoiando alguns grupos e Rússia e China se posicionando a favor de outras partes envolvidas num conflito regional no Oriente Médio.
Finalizando, creio que a busca por um entendimento, que seja para alcançar um acordo mínimo que barre o alastramento do conflito sírio, será melhor do que não fazer nada e continuarem atiçando o fogaréu para que venha a explodir este posto de gasolina que chamo de Oriente Médio, pois o incêndio fará com que todos saiam queimados sem exceção.
Artigo de Daniel Lucas-UND.
Fontes das fotos vem via Google imagens.
É meu caro amigo... As coisas não andam boas
ResponderExcluirExcelente editorial que humildemente coloquei no Sempre Guerra para que os leitores leiam esta noticia importante.
Daniel, se vc pegar do começo do conflito (quando achávamos que teria uma definição em médio prazo, como foi com a Líbia) até aos dias atuais, verá que a coisa está se espalhando na região e ninguém percebe que isto é muito grave.
Antes, falávamos em hipóteses, hoje vemos que um conflito regional está prestes de acontecer.
O pior, falamos hoje na hipótese de uma guerra mundial, será que daqui a alguns meses falaremos de uma terceira guerra? Ponto para refletirmos.
Um forte abraço amigo!
Oi Yusuke, muito obrigado meu caro amigo. Gosto muito de você meu chapa. Não é porque não te conheço pessoalmente não, mas tenho grande admiração pelo seu trabalho e me lembro de quando apenas era um simples leitor de blogues e lá estava eu no seu, e dentre alguns foi um dos que me inspirei e passei a respeitar o seu trabalho.
ExcluirPois é Yusuke, há meses atrás achávamos que a crise na Síria teria um desfecho de poucas semana, mas as coisas tomam outro rumo e a crise síria se torna a cada dia que passa, sem muitos se aperceberem de que ela está no limiar de jogar toda a região numa guerra de consequências inimagináveis, a não ser que algum acordo de última hora de bastidores ou não venha ao caso. Mas nada indica isso até então.
A Líbia por ser maior, com uma população menor, e sua localização não era tão problemática quanto o é a Síria e no entanto, os acontecimentos por lá podem definir novos desenvolvimentos na dinâmica das relações internacionais, principalmente entre as grandes potências.
Então como você disse hoje falamos de possibilidade aventada de uma nova guerra mundial, mas poderemos daqui algumas semanas ou meses, estarmos falando de uma guerra regional se desenvolvendo para um conflito global.
É nessas crises que sabemos como elas começam e não sabemos como elas vão terminar.
Dias vermelhos se aproximam.
Abraços Yusuke e fique a vontade.
Daniel