24 de outubro de 2012

Internet Espía

Dia sortudo hoje: abri o correio e encontrei o mail de tal Alberto Rodriguez, que me informa do seguinte:
Su ID de correo se adjudicó un millón de libras esterlinas grande en la promoción del tabaco británico
Só não percebi se "grande" é a promoção ou o milhão. Seja como for, é só enviar os meus dados pessoais ao simpático Alberto o qual, imagino, já terá na mão o meu cheque preenchido.
Considerem os dados já enviados.

E a propósito de dados pessoais: o que acontece quando visitarmos um site internet?
Acontecem muitas coisas, entre as quais as seguintes: acedemos a um site e, ao mesmo tempo, a nossa informação é partilhada com outros sites, dos quais até ignoramos a existência.

Tudo isso não é novidade, mas vale a pena relembrar de vez em quando que se internet for uma excepcional ferramenta para a partilha de conhecimento, ao mesmo tempo esconde insídias, nomeadamente quando o assunto for a privacidade.

Para ter uma ideia do que se passa ao abrir uma página internet, podemos utilizar uma extensão para Firefox e Chrome, cujo nome é Collusion (aqui a versão Firefox, aqui a versão Chrome): este plugin mostra para quais sites são enviadas as nossas informações a partir duma determinada página internet.

Eis alguns exemplos.
Ligações

Imaginemos que eu acorde de manhã e ligue o computador para saber quais as novidades no mundo enquanto bebo o café. Na barra dos endereços digito o nome do jornal português Diário de Notícias. Nem o tempo de aceder ao site, e já os nossos dados foram enviados para:
  • brightcove.com
  • facebook.net
  • sapo.pt
  • controlinveste.pt
  • google-analytics.com
  • sixtelekurs.fr
  • marktest.pt
  • tsf.pt
  • facebook.com
Diário de Notícias
Pergunta: mas quem são estes gajos? Eu afinal queria ver as últimas notícias, não ter uma conferência online.
Vamos ver.

À direita a imagem que exemplifica o que acontece: no centro a página que visitámos (o Diário de Notícias) enquanto as outras "bolinhas" representam os endereços internet para os quais a página enviou os nossos dados. Estes endereços são:

  • Brightcove é uma plataforma para a partilha de vídeo.
  • Facebook não precisa de apresentações.
  • Sapo é um provider de acesso internet.
  • Controlinveste é o grupo que controla o Diário de Notícias (e que ao mesmo tempo está nos conselhos de administração da Sportinveste, Rádio Notícias, Açormedia, Naveprinter, Sport TV Portugal, PPTV Publicidade de Portugal e Televisão, Olivedesportos, ZON Multimédia, Empresa Gráfica Funchalense, Cosmos Viagens e Turismo, RJN Rádio Jornal do Norte, TSF Rádio Jornal de Lisboa, Pense Positivo Radiodifusão, Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, Rádiopress Comunicação e Radiodifusão, RJN Rádio Jornal do Norte, Jornal do Fundão, Jornal Ocasião).
  • Google-Analytics também sabemos quem é.
  • Sixtelekurs, um fornecedor suíço de notícias financeiras.
  • Marktest, empresa que actua no sector dos estudos de mercado.
  • Tsf é uma rádio privada portuguesa.
Todos estes gajos sabem que eu, no dia tal, acedi ao site internet do Diário de Notícias.
Pouco mal, podemos pensar, afinal não fiz nada de criminoso e com uma informação destas não corro perigos.
Verdade.

Mas imaginem o seguinte: o Leitor entra na loja dos frangos assados. Logo, o dono da loja liga para o padeiro, o cabeleireiro, o mecânico, o estucador, o canalizador, o café e a sapataria para informa-los de que você entrou na loja de frangos.

O Leitor pode ficar incomodado e dizer ao homem da loja dos frangos: "Ó meu amigo, os seus pais não lhe ensinaram a fazer os seus negócios sem  intrometer-se nos assuntos dos outros?". E o Leitor pensa ter resolvido assim os próprios problemas.

Mas a seguir entra na padaria e encontra uma nova especialidade: o pão recheado com frango. Isso enquanto o cabeleireiro publicita o novo penteado "à crista de galo", o mecânico sugere mudar de assentos com outros que não ficam sujos se a carne assada pingar, o estucador sugere uma nova tinta que resiste à gordura de frango, o canalizador acha bem mudar o sistema de esgoto e propõe as novas canalizações que nem entopem com os ossos, o café convida para experimentar a empada de galinha apenas saída do forno e o sapateiro vende agora sapatos feitos com pele de frango.

Que até cheiram mal.

O que aconteceu? Uma coisa simples: todos utilizaram a informação original (a entrada do Leitor na casa dos frangos assados) para tentar torna-la rentável para o próprio negócio. É evidente que o Leitor gosta de frango assado e as outras lojas querem apostar nisso para poder vender-lhe alguns dos seus artigos.

Isso é bom ou mau? Logo pode parecer uma mais valia: afinal as lojas apostam em produtos que têm a ver com o nosso gosto (o frango assado). Mas a verdade é também outra: isso limita, e muito, a possibilidade de escolha. Uma vez produzido, o bem terá que ser vendido e a loja fará tudo para vende-lo, em detrimento de outros produtos.

A mesma coisa acontece em internet. Aqui nem falamos da possibilidade de que os nossos dados sejam utilizados para fins ilícitos, para controlar os nosso movimentos. É um risco, sem dúvida, e provavelmente algo mais do que isso. E nem falamos do simples facto destes dados serem nossos e que seria agradável escolher se e com quem partilha-los. Por enquanto ficamos num nível mais simples, o relacionamento entre produtores e consumidores.


Algumas páginas internet utilizam instrumentos sofisticados para saber mais acerca dos nossos gostos. A página online do hipermercado português
Continente, por exemplo, envia os nossos dados para:
  • byside.com
  • google-analytics.com
  • addthis.com
  • mouseflow.com
Esta última, Mouseflow, é uma empresa que disponibiliza um software capaz de gravar o "percurso" do nosso mouse (o rato): em quais objectos clicamos, se formos até o fundo da página, todos os nossos movimentos no interior da página são gravados.

Portanto, não são apenas os nossos dados a serem partilhados, mas também as nossas atitudes.

Greenpeace Brasil
Há depois dados que são reencaminhado: acedendo ao site de Greenpeace Brasil, os nossos dados são enviados para desmatamentozero.com.br, o qual reencaminha para jquery.com. (imagem à direita).
Biscoitos

Como acontece esta transmissão das informações? Com os cookies que, como explica a omnisciente Wikipedia:
Cookie (do inglês, literalmente: biscoito), testemunho de conexão, ou, simplesmente, testemunho é um grupo de dados trocados entre o navegador e o servidor de páginas, colocado num arquivo (ficheiro) de texto criado no computador do utilizador. [...]
A utilização e implementação de cookies foi um adendo ao HTTP e muito debatida na altura em que surgiu o conceito, introduzido pela Netscape, devido às consequências de guardar informações confidenciais num computador - já que por vezes pode não ser devidamente seguro, como o uso costumeiro em terminais públicos.
Os cookies são pequenos ficheiros que são inseridos no nosso navegador, seja ele qual for. Eis, por exemplo, os dados que o blog da Disney em Portugal transmite trâmite os cookies (é um dos blogues mais visitados do País):
Disney Portgual
  • twimg.com
  • youtube.com
  • mixpod.com
  • amazingcounters.com
  • bridgitmendler.es
  • blogspot.com
  • flagcounter.com
  • marktest.pt
  • twitter.com
  • sl.pt
Temos Twitter (twming.com), Youtube, Mixpod (site de música), Amazing Countes (contador de visitas), um aligação para a página da actriz Bridgit Mendler, Blogspot, Flagcounter (contador de visitas: outro?), marktest que já encontrámos e outra página do Sapo, o provider que hospeda o blog da Disney. Falta ninguém.

Os
cookies em princípio nem são maus: permitem guardar as preferências do utente o que permite, por exemplo, evitar de fazer o login (introduzir usernamepassword) cada vez que acedermos a um determinado site. E a maior parte das páginas web utiliza os cookies desta forma. Idealmente, o cookies deveria ter um prazo, acabado o qual deixaria de funcionar; e não deveria recolher informações acerca do utilizador. Em teoria, pois não sempre as coisas são tão simples. e
Terá acontecido a alguns Leitores: abrir uma página web que nada tem a ver com Facebook e encontrar num canto do ecrã o ícone "Like". Como sabe Facebook que estamos a visitar aquele site? Ou são mágicos ou seguem os nossos percursos na internet. Eu escolho a segunda hipótese.

Mas é apenas uma hipótese ou será algo mais?

Google sabe

Há dois anos, o diário italiano La Repubblica reportou uma investigação universitária acerca de Google para tentar perceber se e como as grandes empresas recolhem os nossos dados. E a resposta é sim, recolhem e armazenam.

Google acompanha e regista os nossos movimentos na internet: observa o que o utente procura, lê, assiste; sabe onde estamos, conhece os nossos interesses, verifica o conteúdo e os destinatários dos nossos e-mails. Mas qual a quantidade de informação que este gigante do web pode reunir?


De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de Berkley, Califórnia, Google é capaz de monitorar e acompanhar os movimentos de quem usa a Internet em 88,4 % dos casos. Directamente ou através de sites do grupo, como o motor de busca, o serviço de e-mail (Gmail. com), Youtube, Google Maps, Picasa. Mas também, graças aos softwares livres utilizados por milhões de blogueiros, donos de sites e empresas. Por exemplo: Google Analytics, a aplicação que permite contar o tráfego de um website, ou com o serviço de publicidade AdSense.

E agora está também presente nos telemóveis, Admobile e Android.

Resultado: O banco de dados do Google é o maior do mundo.


La República fez também uma experiência com a ajuda dum software específico: navegou por 10 minutos como qualquer usuário, visitou o seu próprio site, "leu" um artigo sobre Berlusconi, uma acerca do Real Madrid, entrou num site de venda de carros, viu uma entrevista com o realizador James Cameron, foi controlar uma conta bancária e, por fim, enviou uma mensagem para um amigo no Facebook.


Num outro computador, equipado com um software capaz de fazer o
profiling, foi possível observar o resultado. Google tinha reconhecido o ID (o nome do usuário ou e-mail que serve de identificação pessoal na internet), identificado o navegador, tinha associado o nome do jornalista (com o login de Facebook) e a seguir uma lista de palavras: Berlusconi, La Repubblica, política, banco (com nome da instituição), Real Madrid, futebol, desporto, cinema, filme, Avatar, 3D, Cameron, aventura, carro (com a indicação do um modelo específico várias vezes clicado) e outros dados ainda, tudo classificados por relevância.

Google, lembramos, vive de publicidade, por isso é "normal" que tente recolher quantos mais dados acerca dos nossos gostos para personalizar as ofertas. Mas é só isso que acontece?  


A literatura sobre o assunto é bastante confusa e cheia de histórias "conspirativas". Mas alguma coisa há e uma da provas foi fornecida pela mesma Google quando saiu do mercado chie por causa dos
hackers de Pequim: internet era utilizada para espiar. Mas há mais.
Como afirmou o ex-espião Robert David Steele, "Google is in bed with the Cia" ("vai para a cama com a CIA"). Steele tinha acabado de abandonar o trabalho de recrutador clandestino em nome da CIA, acusou e ainda acusa Google de compartilhar informações privadas com o Serviço Secreto dos Estados Unidos. Steele também faz um nome: Rick Steinheiser, chefe de pesquisa e desenvolvimento do Google. Seria ele o homem da ligação com os serviços.

Steele afirma que quando Google tinha nascido atravessava uma situação económica difícil, em naquela altura recebeu um financiamento da CIA. E em 2004, Rob Painter, director de tecnologia da In-Q-Tel, uma empresa que desenvolve tecnologias em nome da CIA, tornou-se Senior Federal Manager de Google. E há outros indícios também: Google recentemente vendeu alguns servidores para a CIA e a Agência de Segurança Nacional? Disponibilizou para o Serviço Secreto "Intellipedia", um software que permite gerir e consultar vi internet um enorme banco de dados usado por espiões ao redor do mundo.


E onde ficariam guardados os bancos de dados dos utentes normais? Impossível responder: estão divididos entre os 450.000 servidores espalhados pelo mundo Podem estar em Singapura agora, no próximo minuto estará na Rússia. Mas sempre nas mãos do Google.

Só para melhorar um pouco...

Para acabar, eis o que acontece no caso dum Leitor que acorde bem disposto, deseje conhecer as novidades do mundo e para isso consulte: O Globo, Estadão e uma rápida leitura do Wall Street Journal. Depois, uma visita ao site do hipermercado Bom Preço, para ver as últimas ofertas.
O resultado é este:


Para simplificar, nos círculos amarelos as quatro páginas internet visitadas: todos os outros são sites que receberam os nossos dados sem o nosso conhecimento/permissão. São bem 29.


Soluções?

Tudo passa pelo nosso navegador. Não existe o navegador "perfeito" que possa fornecer uma segurança absoluta. Mas podemos limitar a quantidade de dados pessoais que espalhamos pela internet. É já algo.

Todos os navegadores permitem escolher medidas para a protecção dos nosso dados, é só navegar entre as várias opções e escolher aquelas que mais "protegem" o
browser:desabilitar os cookies (todos ou de forma parcial), não aceitar cookies de terceiros, eliminar o envio de relatórios acerca das prestações do navegador (Firefox), autorizar o bloqueio no caso de páginas web suspeitas de phishing ou malware.
São opções básicas que deveriam ser o padrão em cada navegador.

Mas muitas vezes não é suficiente. Por isso é possível considerar
plugins (extensões) que reforçam a segurança (podem ser encontrados nas página da extensões de cada navegador e instalados de forma extremamente simples):
  • Wot (bloqueia as páginas perigosas)
  • NoScript (impede que um ficheiro malicioso utilizar os script para introduzir-se no nosso computador; o problema é que muitos script são essências para poder ver uma página internet, o que torna tudo uma seca...)
  • AdBlock (bloqueia a publicidade, muito útil)
  • Ghostery (impede a recolha dos nossos dados)
  • Anonymox (permite navegar com um endereço IP estrangeiro, apaga os cookies; acho existir só para Firefox)
  • BrowserProtection (que não conheço mas que tem uma boa avaliação: para Firefox, Chrome e Internet Explorer)
  • CookieExFilter (ajuda no bloqueio dos cookies

Depois há medidas mais radicais, como por exemplo a navegação anónima: neste aspecto o mais conhecido é o Projecto Tor, que todavia não é o máximo em tema de velocidade (mas é o melhor software se a prioridade forem os resultados). 
Uma alternativa mais simples pode ser pode ser Freegate, aplicação portátil (não precisa de instalação) que permite navegar em páginas censuradas e garante ao mesmo tempo o anonimato (fornece um ID falso). É rápido também.

Obviamente há outras soluções para a privacidade, os exemplos aqui reportados são apenas uma amostra.


Para acabar: quem utiliza Chrome, faça o favor de substitui-lo com
SRWare Iron: é idêntico ao Chrome original (até aceita os mesmos plugins) mas é esvaziado da componente Google (isso é, não envia dados). Além disso é muito rápido, mais rápido do que o Chrome da Google.


Ipse dixit.  


Fontes:
Mouseflow, La Repubblica

23 de Outubro de 2012

O carimbo do FMI: eles sabem

O Fundo Monetário Internacional, após longa meditação, publica um documento no qual apresenta a resposta para um dilema que assombra a nossa sociedade: melhor viver ricos e em saúde ou pobres e doentes?

E, acreditem ou não, a resposta é a mesma que os Leitores já puderam encontrar neste mesmo blog.

Mas vamos com ordem.

Assunto? Dívida pública.

Problema? Não há.
Solução? Velha como o mundo.

O documento "revolucionário" do FMI diz que a dívida pública dos Estados poderia ser eliminada de forma rápida e simples. O relatório afirma que o truque é mudar o nosso sistema, substituindo os bancos privados na criação do nosso dinheiro. Resultado: 100% de corte na dívida, crescimento, estabilização dos preços, fim da hegemonia dos banqueiros, tudo ao mesmo tempo.


O que o FMI propõe é de substituir o dinheiro criado pelos bancos privados (cerca de 97% de todo o dinheiro) por uma sistema no qual é o Estado que cria o seu dinheiro.


Oooooohhhhhhhh........


Na prática, o truque é voltar a fazer aquilo que sempre foi feito ao longo da história e que apenas um sistema degenerado como o nosso pensou alterar.


Mas, além da fácil ironia, o documento é sobremaneira importante. Porquê?

Porque reconhece e põe o carimbo da oficialidade sobre alguns pontos fundamentais:
  • quem gere a nossa economia sabe perfeitamente que o problema da dívida pública é um falso problema, literalmente inventado para que os Estados ficassem condicionados nas escolhas, para que a economia funcionasse apenas em prol de alguns e não da comunidade. Solucionar o problema da dívida pública é simples, não é preciso inventar nada de novo, é só devolver aos Estados uma das funções básicas deles: a criação de dinheiro.
  • consequência prática: a dívida pública pode ser apagada de forma extremamente rápida, quase imediata, pois é mantida apenas e unicamente para controlar as escolhas dos Estados (que, de facto, perdem assim a própria soberania)
  • enorme poder acumulado pelos bancos privados é o verdadeiro cancro do nosso sistema: é imoral que os privados possam criar dinheiro, estabelecer o preço dele, chantagear inteiras nações, decidir qual o rumo da nossa sociedade, obrigar inteiros continentes a privações e austeridades em nome duma inexistente "dívida" criada por eles.
  • a MMT (Modern Money Theory) está correcta: os Estados podem criar dinheiro a partir do nada (fiat money) para solucionar os próprios problemas e para o bem estar dos próprios cidadãos.

Mais uma vez: Fiat Money 

Esta ideia do fiat money resulta indigesta para alguns. O que não deixa de ser curioso, pois vivemos numa sociedade que encontra as próprias bases mesmo nisso, no fiat money. Há Leitores que não entendem como possa ser possível criar dinheiro a partir do nada; se calhar são os mesmos que têm uma conta num banco que emite toneladas de fiat money.

Vamos fazer um breve resumo, pois trata-se dum ponto muito importante.


Antigamente o dinheiro era emitido prévia cobertura de ouro ou outras riquezas.

Exemplo: Max I, Imperador de Almada, emite 100 Dólares Almadenses em papel. Porquê? Porque nos seus cofres tem exactamente o valor de 100 Dólares em ouro, portanto cada Dólar Almadense é a representação duma riqueza real, efectivamente guardada nos cofres do Estado. Muito simples.

Desde 1971, o dinheiro deixou de ser "coberto" pelas reservas áureas.

Exemplo: Max I emite 100 Dólares Almadenses em papel e nos cofres tem sim ouro, mas cujo valor totaliza 1 Dólar. Porquê? Porque gastou tudo na compra da comida do Conde Leonardo. O dinheiro emitido, portanto, não é a representação duma riqueza guardada, não representa nada: é só uma convenção para facilitar as trocas comerciais.

Agora, pensamos nisso: mas se o dinheiro emitido já não está ligado ao valor efectivamente guardado no cofre do Estado, isso significa que em teoria Max I pode emitir todo o dinheiro que lhe apetecer, e com isso pagar todas as dívidas, fortalecer os serviços públicos, criar infraestruturas e muito mais: tudo em prol do Império Almadanse. Correcto?


Correcto até um certo ponto, na verdade existem limites de carácter técnico: não se pode inundar o mercado de dinheiro criado do nada e pensar que tudo funcione de forma melhor. Mas por enquanto vamos esquecer estes limites e admitamos que o imperador Max I emita dinheiro de forma inteligente e cuidada: neste caso onde está a dívida pública? Simplesmente não está: se o Estado pode criar
fiat money (e pode), não há necessidade de endividamento.

Como referido, alguns Leitores têm dificuldades em admitir que o dinheiro possa ser criado a partir do nada. É normal que assim seja. Mas a verdade, nua e crua, é que nós, todos nós, vivemos num sistema de
fiat money desde os primeiros anos 70 do século passado. É a partir daquela altura que é emitido dinheiro sem cobertura: o dinheiro em circulação hoje (e nos últimos 40 anos) não é a representação duma riqueza guardada, não tem correspondente nos cofres do Estado.

O sagaz Leitor pode argumentar: "Pode ser, mas olha só o resultado: uma economia em crise, Países arruinados, dívidas públicas que nunca acabam...".

Verdade, a situação actual é negativa. Mas há um pormenor que não pode ser esquecido: ao longo destes 40 anos muitas coisas mudaram, inclusive os bancos privados ganharam cada vez mais força até o ponto de serem eles a emitir dinheiro, o que é uma aberração. São os bancos privados que literalmente inventam o dinheiro com o sistema da reserva fraccionária; são sempre os bancos privados que criam o dinheiro trâmite a Federal Reserve e o Banco Central Europeu.

Isso é criminal: porque os bancos privados não têm como objectivo o bem estar da sociedade, o objectivo dos bancos privados é apenas o bem estar dos bancos privados mesmos.

Se, vice-versa, fosse o Estado a emitir dinheiro, qual a necessidade de criar dívida?

Portugal, por exemplo (Portugal entra sempre nos exemplos piores): tem uma dívida pública que nunca acaba.

Quem detém esta dívida (ou, dito de outra forma: quem são os credores)? Os bancos. Que são privados.
Quem impede que Portugal possa emitir dinheiro para pagar a própria dívida? O Banco Central Europeu, que é privado.
Quem aperta o crédito, negando o financiamento para empresas e privados? Os bancos. Que são privados.

Mais uma vez: a dívida pública não é um problema, é um falso problema criado para condicionar inexoravelmente a economia dos Países e a vida dos seus cidadãos.

E agora temos o carimbo do FMI. Já era tempo.
Solón e Chicago

Voltemos ao documento do Fundo Monetário Internacional.

Jaromir Benes e Michael Kumhof, os dois autores do estudo, argumentam que o trauma do ciclo do crédito causado pela criação de
dinheiro privado tem raízes profundas na história.

Os ciclos das safras levaram até falências sistémicas há milhares de anos, com o confisco de bens como garantia e a concentração da riqueza nas mãos dos credores. Mas esses episódios não eram causados apenas pelas condições climatéricas, os efeitos eram amplificados pelo sistema do crédito.


O filósofo ateniense Sólon, por exemplo, em 599 a.C. decidiu reduzir o sofrimento dos agricultores, sofrimentos causados ​​pelos oligarcas que beneficiaram das vantagens da emissão de dinheiro privado. Solón cancelou todas as dívidas, devolveu as terras confiscadas pelos credores, estabeleceu os preços das matérias-primas (coisas muito semelhantes ao que Franklin Roosevelt fez na década dos anos '30 do  século XX) e, conscientemente, começou a cunhar moeda emitida pelo Estado "sem dívidas".

O que é uma moeda emitida pelo Estado sem dívida? É fiat money.

Sem analisar os outros exemplos históricos, vamos até às conclusões: o documento do FMI afirma que as passividades totais do sistema financeiro dos Estados Unidos (incluindo o sistema bancário sombra) é cerca de 200% do Produto Interno Bruto. Como resolver esta situação? Tal como foi feito com o Plano de Chicago, nos anos '30, para enfrentar a Grande Depressão: os bancos privados devolvem as próprias reservar áureas ao Estado (para eliminar a dívida já) e este passa a ser o único capaz de emitir dinheiro, inclusive o
fiat money.

Esta regra permitiria dum lado apagar a dívida pública de forma imediata (com as reservas áureas), do outro lado Washington poderia emitir mais
fiat money, que se tornaria património (porque cria riqueza) do Estado, não dívida.

A chave do Plano de Chicago, retomada por este estudo, foi a separação entre "a função monetária e do crédito" do sistema bancário. A quantidade de dinheiro e do montante do crédito em circulação ficariam totalmente independentes um do outro.


Mais: os privados já não poderiam criar dinheiro novo: o crédito bancário deveria ser financiado apenas por novas receitas, não haveria a "reserva fraccionária" que permite "multiplicar" o dinheiro dos bancos. Os bancos poderiam emprestar 100 se nos cofres houver 100, não apenas 10 (ou até menos).


Outra enorme vantagem: o controle do crescimento do crédito seria muito mais fácil porque os bancos já não poderiam, como fazem hoje, criar os seus próprios fundos ou depósitos. Seria o Estado a controlar todo o dinheiro em circulação e o crédito dos bancos, como afirmado antes, poderia existir só em presença de dinheiro nos cofres: mas seria dinheiro criado pelo Estado, não pelos mesmos bancos.


Seria mais simples gerir a
inflação, pois os Estados teriam um real controle no total da massa monetária em circulação.

O fim dos bancos? Pelo contrário, os bancos poderiam tornar-se o que muitos acreditam erroneamente serem hoje: puros intermediários que recebem financiamentos externos antes de poder fazer empréstimos.

Eles sabem

Como afirmado, nada que os mais aficionados Leitores do blog já não conheçam. Mas é importante que agora seja uma instituição como o FMI a admitir isso. Como afirmado, é uma espécie de "carimbo", o reconhecimento dum estado de coisas que tem consequências devastadoras nas nossas vidas.

Ao longo dos séculos, e em particular durante as últimas décadas, os bancos privados acumularam um poder enorme, que ultrapassa, em muito, aquele do Estado. Não pode existir mudança sem antes devolver aos Estados este poder. Inútil até falar de decrescimento: quem controla o dinheiro, controla os exércitos. E a nossa horta de hoje pode ser vendida num leilão amanhã.


A Economia, a gestão do dinheiro, pode parecer algo complicado, coisa para "entendidos". Nada disso. As regras básicas são simples e o estado actual da nossa sociedade é a consequência pelo facto de ter quebrado uma destas regras: não é possível deixar a gestão de toda a economia e da finança nas mãos dos privados. O Estado é o trâmite com o qual os cidadãos podem intervir nas decisões cruciais; uma vez desautorizado o Estado, há apenas a lei do mais forte. Ou do mais rico, é a mesma coisa.


O
fiat money pode parecer desprovido de lógica: como se pode criar algo a partir do nada? Como podemos gastar algo que não temos? Dito assim parece não haver respostas válidas.

Mas a verdade, neste caso, precisa dum ponto de observação diferente: o
fiat money não é "dinheiro do nada", apesar de assim parecer. O fiat money é um investimento que utiliza sem demora as capacidades intrínsecas duma economia. Com o fiat money o Estado não cria dinheiro "do nada": simplesmente torna reais as potencialidades duma economia que, caso contrário, poderia alcançar os mesmos objectivos mas com muito mais tempo. O fiat money é a gasolina que permite pôr a trabalhar o carro em vez de empurra-lo. E ninguém acha anormal abastecer um depósito.

Mas é necessário aqui realçar, mais uma vez, um ponto central, mesmo correndo o risco de ser repetitivo: eles sabem. Wall Street, a City, as Bolsas, os economistas, os ministros cúmplices, os banqueiros: todos sabem que a questão da dívida pública é apenas um falso que serve para alcançar determinados objectivos em favor dos interesses privados.


Com a dívida pública podem gerir a nossa economia, podem obrigar os cidadãos a abdicar dos serviços, privatizar amplas porções do Estado, reduzir os salários e as reformas, deslocar a produção.

Podem tornar os Países evoluídos mais pobres e manter na pobreza os que já sofrem, como no caso das dívidas do Terceiro Mundo.

Eles sabem tudo isso, simplesmente não querem mudar, largar o poder, e não hesitam em mentir.


Isso, mais uma vez, é criminoso. Ou criminal, para mim tanto faz.   


Ipse dixit.

Fonte: FMI: The Chicago Plan Revisited (documento Pdf, em inglês), The Telegraph
Via Informação Incorrecta por orientação do colaborador Jonh.

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