Isolada, Grã-Bretanha agora enfrenta turbulência interna
A cartada do premiê britânico David Cameron, que isolou o Reino Unido em relação à União Europeia, foi recebida em seu país como a aposta de um aventureiro irresponsável e, ao mesmo tempo, como a decisão de um líder disposto a defender a soberania da ilha. Sinal de que, além da antipatia do presidente francês Nicolas Sarkozy e da chanceler alemã Angela Merkel, ele terá de enfrentar agora uma forte turbulência interna que está apenas começando.
O imbróglio começou nas primeiras horas de sexta-feira, durante a cúpula de Bruxelas, quando Cameron propôs a Sarkozy e Merkel que a City of London, o maior centro financeiro da Europa, ficasse de fora da mudança na política de taxação de bancos – o chamado “Imposto Robin Hood” – e da maior fiscalização em suas operações. O presidente francês e a chanceler alemã negaram o acordo e procederam com o tratado de ajuste fiscal no bloco, na tentativa de salvar o euro. Cameron, em retaliação, foi o único dos 27 líderes do bloco a vetá-lo.
A decisão causou forte repercussão em toda a Europa. O premiê britânico extrapolou a cartilha conservadora dos governos de Margaret Thatcher (1979-1990) e John Major (1990-1997), que mantiveram o relacionamento com o bloco em níveis toleráveis, com alguns momentos de exceção. Mas, como apontaram os principais jornais ingleses durante o final de semana, em vez de apostar na diplomacia, como fizeram seus antecessores, Cameron preferiu pedir o divórcio.
Como resultado da cartada, o premiê foi festejado por seus pares, especialmente pelo núcleo conservador “eurocético”, que acredita que o Reino Unido funciona melhor como uma economia independente do bloco. No entanto, além de perder influência nas decisões da União Europeia, Cameron também acabou colocando em xeque seu governo de coalizão com os liberais democratas. E levou uma saraivada de críticas por sua atuação na cúpula.
O vice-primeiro-ministro Nick Clegg, do partido liberal democrata, acusou neste domingo (11) o premiê de colocar empregos ingleses em risco e agir contra os interesses da economia britânica ao praticamente cortar os laços com a União Europeia em meio à crise do euro. Estar politicamente isolado, segundo Clegg, não será bom para o país, que não vive bom momento econômico.
A previsão do PIB britânico para este ano é de crescimento de 0,7% e, para 2012, de apenas 0,9%, em meio às medidas de austeridade, corte de benefícios sociais e uma Olimpíada, que será realizada em Londres em meados do ano que vem.
Decisão histórica – Margaret Thatcher e John Major escreveram, durante as décadas de 1980 e 1990, uma trajetória de ambiguidades entre o Reino Unido e a União Europeia. Enquanto Thatcher entrou em disputa direta com o bloco por questões orçamentárias, Major, por exemplo, tirou um acordo da manga e foi o responsável por driblar o Tratado de Maastricht em 1993, que marcou a criação da moeda única. Mas agora o clima é outro.
Em meio à crise do euro, os ânimos se acirraram e, durante o final de semana, os principais jornais britânicos destacaram em letras garrafais a frase mais marcante da negociação, que partiu de um diplomata francês, logo após o encerramento da cúpula. “(Cameron) foi para uma festa de troca de esposas sem levar a própria mulher.”
O nível da metáfora ilustra bem o clima de irritação de Angela Merkel e de Nicolas Sarkozy em relação à postura de Cameron. Segundo analistas, a relação entre eles deteriorou rapidamente, tanto que o presidente francês chegou a ignorá-lo em meio às negociações. Uma sequência de fotos mostra Sarkozy se esquivando de um constrangedor aperto de mão oferecido pelo premiê britânico. Merkel, por sua vez, disse que Cameron nem chegou a sentar à mesa de negociações.
A lógica do papel do Reino Unido na União Europeia é exemplificada por uma frase de 2006 do ex-primeiro-ministro Tony Blair, pinçada pelo jornal Financial Times: “Coopere na Europa e você trai os britânicos; seja pouco razoável com a Europa, seja louvado em casa, mas fique totalmente sem influência na Europa.”
Nesse caso, Cameron parece ter tomado um caminho tortuoso. Analistas afirmam que não lhe resta muito a não ser incrementar o comércio com Estados Unidos e China para manter o patamar de crescimento. E, ainda, torcer para que decisões futuras da União Europeia não afetem a economia britânica e o sistema bancário que ele tentou proteger.
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