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20 de outubro de 2011

Eurocrise :Entrevista

Os neoliberais usam a Grécia como cobaia da crise financeira, diz deputado grego

Em entrevista à Carta Maior, o deputado grego eleito pela Syriza Michalis Kritsotakis denuncia que os reguladores do sistema neoliberal usam a Grécia como cobaia para avaliar o comportamento e a resistência das sociedades numa crise sistémica como a actual. Por Kostis Damianakis, especial para a Carta Maior.
Manifestação durante a greve geral grega de 19 e 20 de Outubro de 2011 - Foto de Orestis Panagiotou/Epa/Lusa
Manifestação durante a greve geral grega de 19 e 20 de Outubro de 2011 - Foto de Orestis Panagiotou/Epa/Lusa
Atenas - Deputado nacional desde as eleições de 2009 o professor universitário e mestre em administração de empresas, Michalis Kritsotakis é membro do Fórum Social grego, protagonista do “Fórum de Dialogo e Acção Unida da Esquerda” e deputado eleito pela coligação Syriza.
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Kritsotakis responsabiliza o sistema político bipartidário que governa a Grécia desde a ditadura por seguir um modelo de desenvolvimento errado, corrupto e adaptado aos interesses da minoria que detém o poder financeiro. Na sua análise, a Esquerda tem parte da responsabilidade pela falência do país, ao se recusar a se unir e priorizar a pureza ideológica. “Isso decepciona o povo e, portanto, a nossa responsabilidade é ainda maior. A nossa proposta não é mais de unir a esquerda, pois o partido comunista recusa-se a discutir. A proposta hoje” é “chegar a um consenso e actuar juntos nos pontos que concordamos”.
Alerta que a queda livre do país e a sua perda de soberania já têm impactos fatais. O povo grego está a enfrentar uma piora sem precedência nos índices sociais, facto que prejudica a sua saúde psicológica, pois “a perda do salário ou da reforma que leva as pessoas abaixo da linha da pobreza, à perda da esperança, da perspectiva, da auto-estima”. Para ele, os reguladores do sistema neoliberal “querem avaliar qual é o comportamento e as resistências das sociedades” numa crise sistémica como essa.
Carta Maior – O governo alega que tenta salvar o país e que a culpa da crise é do governo anterior e das características da sociedade grega. Quem afinal é o réu da falência?
Michalis Kritsotakis – A responsabilidade absoluta é do sistema político bipartidário que nos governa há trinta anos, porque sempre cuidou dos interesses da minoria, que são os detentores do poder financeiro, às custas da grande maioria do povo. O sistema nunca desenvolveu a base produtiva do país, e basicamente seguiu um modelo de desenvolvimento errado, corrupto e adaptado aos interesses dessa minoria financeira. A responsabilidade do sistema bipartidário, nesse momento, é que aceita, independentemente das suas pequenas diferenças, a dominação da lógica neoliberal da Troika em cima do país. O memorando que eles assinaram não tem nenhuma chance de ajudar o país a vir à superfície. Pelo contrário, empurra-nos para o fundo ainda mais.
CM – O governo baseia-se cada vez mais nas forças policiais para conter a reacção do povo contra as medidas e cortes impostas pelo memorando. O que dói mais, a violência policial ou da pobreza numa democracia?
MK – No momento em que os salários e reformas sofrem cortes sem precedência, o médio assalariado, o agricultor e o micro empresário levam pancadas uma atrás da outra, é óbvio que não vão aguentar nem a economia nem o povo. A nossa economia é ainda familiar na sua grande parte e a política do governo ataca o seu tronco. É fácil de compreender que isso não pode passar numa maneira respeitosa aos direitos e à democracia, e por isso o governo recorre à violência contra qualquer um que protesta, desde os agricultores, aos sindicalistas e aos movimentos. Ainda mais, dentro do próprio parlamento há outro tipo de violência exercida em cima da democracia, quando o governo cria medidas ad hoc e leis que os permitem assinar memorandos e acordos sem passar pelo parlamento. Estes são pequenos golpes que não cabem numa democracia.
CM – A esquerda pode ter um papel definitivo neste cenário, mas parece não saber bem como exercê-lo. Por quê?
MK – Se a esquerda fosse unida poderia exercer esse papel histórico, primeiro porque o governo não tem mais a maioria, e a direita, o outro pólo do sistema bipartidário, não convence ninguém. É facto que a esquerda tem ganhado pontos nas sondagens de opinião publica, mas é muito fragmentada. Para isso contribui uma lógica irracional por uma parte da esquerda que prioriza a pureza ideológica ao invés da acção unida. Isso decepciona o povo e, portanto, a nossa responsabilidade é ainda maior. A nossa proposta não é mais de unir a esquerda, pois o partido comunista se recusa a discutir. A proposta hoje da coligação Syriza é chegar a um consenso e actuar em conjunto nos pontos que concordamos, e depois, se for o caso, discutiremos os pontos de discordância. Lamentavelmente somos acusados pelo partido comunista de que esta proposta é desorientadora.
CM – Os movimentos que surgiram nos últimos meses, como os “indignados” nas praças e o movimento “não pagamos”, têm o potencial de exercer o papel que teria uma esquerda unida?
MK – Com certeza que esses movimentos podem ajudar na união do povo grego, e ainda obrigar algumas forças políticas a compreender a realidade, mas na minha opinião não podem desenhar uma pauta maior, nem oferecer uma proposta política integrada. Infelizmente, algumas partes da esquerda chegaram até ao ponto de denunciar e desprezar colectivamente esses movimentos. No entanto, no movimento das praças participam pessoas que ignoraram as linhas partidárias, e isso faz uma pressão enorme sobre eles. Eu diria que o maior ganho destes movimentos é que conseguiram levantar o povo da apatia do seu sofá, mesmo que haja uma variedade de ideias, às vezes inconveniente, dentro das praças. Do outro lado, o movimento “não pagamos” é importante, pois desafia o governo e as suas medidas inconstitucionais, antidemocráticas, injustas e, pior, ainda ineficientes. Até agora o que foi arrecadado violentamente do povo sumiu no buraco negro e os índices pioraram ao invés de melhorar. Isso justifica a luta desses movimentos ainda mais.
CM – A revista médica Lancet publicou na semana passada uma sondagem que aponta uma queda na expectativa de vida no país, acompanhada por aumento de suicídios e doenças psicológicas, característicos de países em guerra. A Grécia está em guerra?
MK – Provavelmente. A Associação Psiquiátrica Grega também alertou recentemente sobre o aumento de uso de antidepressivos e da procura de assistência. Investigações apontam que para cada 1% de aumento no índice de desemprego, as doenças psicológicas aumentam por 0,71%. O facto desanimador, então, não é a perda do salário ou da reforma que leva as pessoas abaixo da linha da pobreza, mas a perda da esperança, da perspectiva, da auto-estima, sentimentos que levam ao isolamento, a comportamentos anti-sociais e à raiva que, às vezes, está direccionada justamente ao sistema político. Assim é criado um ciclo vicioso em que para a pessoa é impossível sair, especialmente neste momento. Então é necessário a criação pelo povo de um movimento massivo para resistir ao modelo neoliberal e aos seus porta-vozes, que nos levaram até este ponto.
CM – Os empréstimos previstos no memorando do governo com a Troika estão acompanhados de condições impostas historicamente a países não soberanos. O que há pela frente?
MK – Neste momento o país parece indefeso. O desemprego aumenta e grande parte da sociedade cai abaixo da linha da pobreza. Justamente neste momento uma grande parte do sistema político, em sintonia, achou a oportunidade de vender os nossos recursos naturais e conceder a nossa força de trabalho indefesa para o capital. A Alemanha precisamente tem condicionada a sua ajuda à criação de zonas francas, onde as leis do trabalho não se aplicarão, nem terão salários mínimos. Acima de tudo, eles não querem nenhuma restrição que tem a ver com a protecção do meio ambiente e é por isso que o governo cria leis como o fast-track , que agilizam esse processo. A Alemanha quer transformar a Grécia num laboratório de energia renovável para exportação, e o que nós, como partido, defendíamos há anos como o caminho para soberania energética, está a tornar-se num pesadelo. Esse tipo de investimentos em energia renovável anulará a indústria pesada das ilhas gregas, inclusive de Creta, que é o turismo. É um pouco tragicómico que a oposição maioritária esteja a exigir mais agilidade do governo nestas concessões e na criação de leis que facilitam os investimentos.
CM – Mas ainda assim essa receita é imposta pelos governos centrais da Europa e pelo FMI, e até uma parte dos gregos a apoia, como caminho para sair da recessão, gerar superavits e empregos.
MK – Esses paradigmas que mencionei são a aplicação da lógica neoliberal que diz que, acima de tudo, estão os mercados. Eles definem tudo, auto-regulam-se, estão acima da política e acima dos países. Esta lógica fica expressiva olhando o papel central dos bancos nesta crise e a dominação das agências de classificação de risco. Estamos a enfrentar, na verdade, a ditadura dos mercados em cima da política e da sociedade, que não conseguem resistir. O sistema político e a sociedade acabam a servir os desejos dos mercados quase como um viciado em algo, que neste caso é o crédito.
CM – Podemos dizer que o que eles fazem na Grécia é o prelúdio de algo maior?
MK – É muito importante que todos compreendam que a Grécia hoje é uma cobaia. A crise, que é sistémica, espalha-se para outros países, e os reguladores do sistema querem avaliar qual é o comportamento e as resistências das sociedades neste tipo de situação. De certo modo, o sistema deixa a crise desenrolar de uma maneira supostamente controlada na Grécia para avaliar até que ponto pode chegar. A esquerda europeia parece estar consciente disso. E como nosso oponente, o sistema neoliberal é algo transfronteiriço, a nossa luta tem que ter características internacionalistas.

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