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1 de dezembro de 2011

Artigo:

José Reinaldo Carvalho: Um retrocesso na política externa



Um dos pontos fortes do governo das forças democráticas brasileiras, desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula, tem sido a política externa. Altiva, assertiva, soberana, em muito contribuiu para mudar a imagem do Brasil no mundo e elevar a autoestima dos brasileiros.


Por José Reinaldo Carvalho*
 
Foi-se para sempre o famigerado complexo de vira-latas e o Brasil distinguiu-se no cenário internacional não mais pelas humilhações que sofria nem pelos gestos de subserviência com que governos anteriores favoreceram os potentados internacionais. Pertencem a uma era definitivamente pretérita frases como “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” (Juracy Magalhães), assim como gestos servis, como o de Otávio Mangabeira beijando a mão de Eisenhower ou um ex-chanceler obedecendo a ordens de tirar os sapatos emitidas por um meganha de aeroporto nos Estados Unidos.

O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, nada tem a ver com essa malsinada tradição entreguista. Frequentou outra escola e se distinguiu na nova geração da Casa de Rio Branco como um alto funcionário esmerado na boa técnica diplomática. É seu mérito e pode ser também o seu defeito. Porque como em toda e qualquer atividade estatal, não há técnica que resulte em ações progressivas sem a boa política no posto de comando.

Talvez seja por isso que o chanceler, em nenhuma ocasião desde que assumiu o comando do Itamaraty, tenha feito uma crítica sequer às ações do imperialismo estadunidense e seus aliados da União Europeia e Otan, mesmo nos momentos em que cometeram crimes de lesa-humanidade como no caso da guerra contra a Líbia, ou quando elevaram o tom das ameaças de sanções e intervenção contra o Irã.

Quiçá, isto sirva ainda para explicar por que o Brasil tem adotado algumas mudanças em sua conduta nos fóruns internacionais, dando votos que não se coadunam com uma política externa de país progressista.

Pode ser uma questão de estilo e de formação do chanceler, mas não o isenta de críticas. Do ponto de vista das forças democráticas, populares, internacionalistas, nada justifica a adesão de nosso país à política intolerante de sanções levada a efeito pelas potências imperialistas. O Itamaraty não é ingênuo. Seus pós-doutores em geopolítica, defesa e diplomacia sabem que não há neste mundo hobbesiano defesa desinteressada dos direitos humanos, letra morta quando defendida por superpotências cuja história é feita por genocídios.

Também é conhecido que está em plena aplicação a estratégia de reestruturar o Oriente Médio, plataforma que encanta os think tanks democratas e republicanos, que alternadamente fazem a cabeça do Pentágono e do Departamento de Estado. O Brasil tem justas ambições de desempenhar um novo papel e ocupar um novo lugar no mundo, o que seria suficiente para agir de acordo com o interesse nacional e em benefício de países e povos amigos, tomando a devida e necessária distância dos planos geopolíticos imperiais, nunca coadjuvando-os.

Não só o voto pelas sanções à Síria é um contrassenso, como é no mínimo uma platitude defender, como fez o chanceler nesta terça-feira (29), a “desmilitarização” da Síria como alternativa para encerrar a onda de violência no país que dura oito meses.

Mais estranha ainda foi a afirmação de que a mediação de um acordo de paz na região deve ser feita pela Liga Árabe. Seria, não fosse a circunstância, que o ministro não desconhece, de que a Síria, país membro da Liga, está suspensa do bloco, porque este se encontra sob a égide de uma orientação pró-imperialista e paradoxalmente anti-árabe.

Antonio Patriota expôs suas dúvidas sobre a eficácia de uma intervenção militar na Síria. Recorreu ao discurso técnico para argumentar que a intervenção militar “tem de ser autorizada pelo Conselho de Segurança [das Nações Unidas], que tem estado muito dividido em relação à Síria. Isso porque não está claro o que uma intervenção militar poderia realizar de positivo para a população e a democracia na Síria”, disse.

Seria desejável, em nome da boa imagem do Brasil progressista, perante as forças que internamente dão sustentação política ao governo, e aqueles países e forças políticas que têm no Brasil um aliado solidário das causas da paz e do contra-hegemonismo das grandes potências imperialistas, que o chanceler condenasse ou no mínimo descartasse por convicção a intervenção militar contra o país árabe.

Ao que tudo indica, o chanceler brasileiro já tem opinião formada sobre a situação da Síria, sem levar em conta as informações, opiniões e medidas de um governo que tem sólidas relações bilaterais com o Brasil. Deu crédito absoluto às conclusões da Comissão de Investigação de Direitos Humanos das Nações Unidas, de que “as forças de segurança ligadas ao presidente sírio são responsáveis por torturas, assassinatos, estupros e desaparecimentos na região”. Isto foi o suficiente para que o chanceler sentenciasse: “As acusações são muito graves, estamos examinando o seu conteúdo [o relatório da comissão da ONU tem 40 páginas]. Lembro que o Brasil se posicionou sempre a favor das manifestações por melhor governo, mais democracia, melhores oportunidades econômicas e de emprego e organização para os países árabes. Ao mesmo tempo deixou claro que é inaceitável a utilização do aparato do Estado para a repressão violenta e armada contra manifestantes”, disse.

As declarações do chanceler brasileiro são feitas no mesmo momento em que a União Europeia anuncia a intensificação das sanções contra o país árabe e em meio à reiteração pelas autoridades estadunidenses de que Bashar Assad tem de ser deposto.

Não pode haver unidade entre progressistas e reacionários quando se trata de tomar posição sobre um regime político como o vigente na Síria.

Os povos árabes têm direito a lutar pela democracia e a escolher o tipo de governo que querem para fazer suas sociedades avançarem. A liberdade política é um pressuposto para a construção de sociedades justas, progressistas, soberanas. O regime sírio tem lacunas a preencher em termos de vida democrática e vigência plena dos direitos humanos. Mas não é disso que se trata para o imperialismo e seus aliados sionistas e na Liga Árabe. Não é a democracia nem o respeito aos direitos humanos que estão em causa. Figuram no caso em tela como meros pretextos para instrumentalizar uma intervenção. No caso da Líbia o resultado foi uma guerra de agressão e o magnicídio.

Mesmo não tendo identidade política com o governo sírio, o Brasil deve tomar distância de tais manobras e intentos imperialistas.

As declarações do ministro das Relações Exteriores são, assim, no mínimo precipitadas. O Brasil não tem por que se somar à política de sanções ditada pelas potências imperialistas.

Com informações da Agência Brasil



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