Seul e EUA iniciam manobras e Coreia do Norte prepara mísseis
Desdobramentos militares aumentaram ainda mais a tensão na região, embora o Exército americano tenha dito que a operação é defensiva
A Coreia do Sul e os Estados Unidos iniciaram neste domingo manobras navais de quatro dias em resposta ao ataque norte-coreano de terça-feira contra a ilha de Yeonpyeong, o que elevou a tensão na região enquanto Pyongyang se mantém em posição de combate. Nesta manhã, a chegada do porta-aviões de propulsão nuclear USS George Washington, com 6 mil militares e 75 aviões de combate a bordo, marcou o início das manobras conjuntas nas quais participam cerca de dez navios de guerra, entre estes destróieres, fragatas e aviões antissubmarinos.
Os exercícios, que incluem aviões-espiões, começaram a 40 quilômetros do litoral de Taean (Coreia do Sul), a pouco mais de 100 quilômetros ao sul da ilha de Yeonpyeong, atacada em 23 de novembro pela artilharia norte-coreana com o resultado de quatro mortos: dois militares e dois civis sul-coreanos. Como informaram os Estados Unidos, as manobras já estavam planejadas anteriormente, embora só tenham sido anunciadas na quarta-feira.
O desdobramento militar aumentou a tensão na região. O Exército americano, no entanto, garantiu que a operação tem "natureza defensiva" e objetivo de dissuadir o regime de Kim Jong-il. Segundo fontes militares sul-coreanas, em coincidência com o início das manobras, a Coreia do Norte realizou neste domingo disparos de artilharia dentro de território norte-coreano, nas proximidades da ilha sul-coreana de Yeonpyeong, que voltaram a obrigar aos residentes a refugiar-se nos bunkers.
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A Coreia do Norte indicou neste domingo por meio da agência estatal KCNA que responderá "a qualquer provocação que viole suas águas territoriais", enquanto o jornal oficial Rodong Sinmun afirmou que o ataque a Yeonpyeong foi "um legítimo exercício de autodefesa". Por sua vez, China manteve uma intensa atividade diplomática para mediar o conflito e reduzir a tensão entre as duas Coreias, e ao mesmo tempo criticou as manobras militares conjuntas por não contribuir para reduzir a escalada na região.
Negociação
Neste domingo, o Ministério de Exteriores chinês propôs reatar as conversas de seis lados para o desarmamento nuclear de Pyongyang, das quais participam além das duas Coreias, a China, os EUA, o Japão e a Rússia. A Casa Presidencial sul-coreana, no entanto, deixou claro que não é o momento adequado para voltar a esse diálogo.
O presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, reuniu-se em Seul neste domingo com o conselheiro de Estado chinês Dai Bingguo, a quem pediu que China atue com "justiça e responsabilidade" para manter a paz na península coreana, e advertiu que Seul responderá com "contundência" a nova provocação norte-coreana.
O enviado chinês defendeu "trabalhar para prevenir a deterioração da situação" e transmitiu as condolências do presidente da China Hu Jintao pelas vítimas do ataque a Yeonpyeong, que causou ainda danos materiais estimados em 3,2 milhões de euros.
A tensão na região onde ocorreu a troca de tiros de artilharia na última terça-feira é tal que neste domingo alguns sons de detonações e movimentos no litoral norte-coreana em frente à ilha de Yeonpyeong suscitaram os alarmes e acabaram por fazer com que a Coreia do Sul tenha pedido aos jornalistas, cerca de 400, que abandonem a ilha.
Além disso, o secretário do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores norte-coreano, Choe Thae-bok, muito próximo a Kim Jong-il, viajará para Pequim na próxima semana, presumivelmente para tentar evitar uma escalada de violência entre as duas Coreias.
Pequim não vê com bons olhos as manobras entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul no Mar Amarelo e advertiu que não aceitará violação de sua região econômica exclusiva nessas águas, onde os navios de guerra americanos e sul-coreanos praticarão uma operação até quarta-feira com uso de fogo real.
Tensão entre Coreias pode levar a conflito de grande proporção, diz especialista
Fonte: Folha de São Paulo
A situação é cada vez mais tensa entre as Coreias. Após uma investigação internacional, a Coreia do Sul acusou formalmente a Coreia do Norte, na quinta-feira (20), de atacar com um torpedo um navio de sua Marinha em março.
O afundamento da corveta de 1.200 toneladas, perto da fronteira marítima com a Coreia do Norte, provocou a morte de 46 dos 104 marinheiros sul-coreanos. Foi o incidente mais grave ocorrido na disputada fronteira marítima do mar Amarelo entre as duas Coreias desde o cessar-fogo entre as duas nações, em 1953.
O presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, pressiona a comunidade internacional por novas sanções contra a Coreia do Norte. O regime de Kim Jong-il, por sua vez, respondeu com o rompimento das relações com Seul.
Yu Hyung-jae/AP | ||
Soldados sul-coreanos vigiam posto; para analista, impasse pode levar a amplo conflito |
Diferentemente da guerra das Coreias dos anos 1950, um conflito hoje teria proporções muito maiores, até porque envolveria as duas grandes potências mundiais --EUA e China--, na opinião de Heni Ozi Cukier, professor de Relações Internacionais da ESPM e especialista em resolução de conflitos internacionais.
Para o analista, o risco de ocorrer uma guerra na Península Coreana não é alto, mas há uma chance e isso exige cautela. Afinal, trata-se de uma zona altamente militarizada e qualquer deslize --seja da Coreia do Sul, que demonstra não querer uma guerra, seja da Coreia do Norte, "peão político no xadrez da China"-- poderia gerar um conflito de escalada muito rápida, afirma Cukier, que já trabalhou no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) e na OEA (Organização dos Estados Americanos).
Leia a íntegra da entrevista que Cukier deu à Folha por telefone.
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Folha - Oficialmente, a Coreia do Sul e a Coreia ainda estão em guerra, porque ambas assinaram apenas um armistício em 1953. O que isso representa, simbolicamente, no contexto atual? Heni Ozi Cukier - Isso simboliza o alto nível de mobilização militar que existe entre os dois países. É a zona mais militarizada do mundo, pode-se dizer. Isso cria uma situação muito frágil, muito tensa, em que qualquer deslize pode levar a uma guerra de proporções enormes. Um disparo errado numa situação de mobilização nesse nível automaticamente leva a uma escalada da violência muito rápida, diferentemente de outros conflitos, onde uma ação demora a ter uma reação e em que há tempo para se dialogar.
Folha - Nesse cenário, se considerarmos o ataque da Coreia do Norte ao navio sul-coreano, isso poderia ser visto como um deslize ou um ataque intencional?
Cukier - Primeiro, eu diria que o ataque existiu e foi cometido pela Coreia do Norte, sem dúvidas. Foram levantadas provas contundentes e houve muita cautela dos sul-coreanos para chegar a essa conclusão. Não responder ao ataque coloca-os numa situação difícil, e responder seria atacar novamente. Isso levaria a uma guerra, o que eles demonstraram claramente que não querem. Seul está há 40 quilômetros dessa fronteira altamente militarizada, seria um alvo fácil, e ambas as Coreias seriam destruídas.
Foi um ataque intencional aparentemente. Agora, a Coreia do Norte está levantando possibilidades para explicar isso --caso seja forçada a tomar uma posição. Está seguindo a linha de culpar um general, e um encaminhamento seria exonerar essa pessoa. Se tiver que assumir a autoria desse ato, vai fazer isso culpando alguém, dizendo que não foi o Estado. Seria a saída política do impasse.
Folha - O senhor acredita que ambas as Coreias estão dispostas a buscar uma solução alternativa ao confronto?
Cukier - A atitude da Coreia do Sul demonstra isso. Foi um ataque de proporções fora do padrão desse armistício, é o ataque mais violento, então a sociedade sul-coreana demanda uma resposta. A Coreia do Sul imediatamente veio a público, criou um grupo de investigações internacionais, e pediu que houvesse punição da comunidade internacional ao ataque da Coreia do Norte. Também indicou que cortaria laços comerciais e de ajuda financeira. Todas as posturas foram no campo de não uso da força, mas sim pressão diplomática e econômica.
As atitudes da Coreia do Norte não levam a crer que o país não queira a guerra: está sempre com ações provocativas, atitudes belicosas, declarações agressivas, buscando aumentar seu poderio bélico, construindo armas atômicas. No fundo, a guerra pode ser perigosa para o regime da Coreia do Norte, pode encerrar o regime de Kim Jong-il, mas essa mobilização do pré-guerra também ajuda a dar força para ele, pois é um país que tem extremos problemas internos. Ele mantém a ordem e o pulso firme no comando do país baseado na ameaça do inimigo externo, que serve para unificar o país em torno dele e minimizar os problemas internos causados com sua gestão.
Folha - E a comunidade internacional também demonstra querer evitar o confronto, não?
Cukier - Sim, porque ninguém quer se envolver em mais uma guerra. Os americanos já estão envolvidos em duas guerras e têm um problema seríssimo com o Irã. Então, outra frente de batalha não seria do interesse deles. Até porque, invariavelmente, envolveria a China. Seria um conflito de proporções globais extremas.
Folha - A China provavelmente se alinharia à Coreia do Norte?
Cukier - Provavelmente. Foi isso que aconteceu na guerra da Coreia [1950-53], quando os americanos entraram ao lado dos sul-coreanos e foram avançando e, quando chegaram muito próximo de conquistar o território, a China entrou na guerra e massacrou as forças americanas sob a bandeira da ONU até parar no meio do caminho de novo. Não é necessário e óbvio que a China entraria em um conflito agora, não é mais uma guerra ideológica entre o capitalismo e o comunismo, mas é difícil de a China não se envolver. A China se preocupa que o governo norte-coreano não caia, porque ela teme que os americanos vão unificar as Coreias e eles terão a presença americana na sua fronteira, sem falar nos problemas econômicos e de refugiados.
Folha - No caso de uma guerra hoje entre as Coreias, como ela seria, comparada à dos anos 1950?
Cukier - Seria um conflito com proporções muito maiores, particularmente se as duas potências se envolvessem --não acredito que de forma direta, mas indireta. Quem perderia mais seriam os coreanos, porque os dois territórios seriam completamente destruídos. E teria repercussões no mundo todo. A gente não consegue medir até que ponto e de que maneira a China se envolveria. Dependeria de como essa guerra fosse eclodir, ou o que causaria a guerra --um ataque da Coreia do Sul provavelmente levaria à entrada dos chineses.
Folha - Considerando que já há sanções em vigor contra a Coreia do Norte, como novas sanções afetariam o país?
Cukier - Em todos os conflitos do mundo, as sanções têm um resultado muito pequeno na mudança do comportamento dos regimes. O mais sacrificado é o povo mesmo, e isso acaba fortalecendo os regimes, porque eles usam isso como arma política dizendo :"vejam o que os outros do mundo estão fazendo conosco, com o povo norte-coreano". Já temos sanções há tanto tempo? O que mudou? Nada. É mais uma questão de legitimidade, de status, de estabelecer um culpado. O que a Coreia do Sul está tentando com isso é estabelecer um status político, mostrando: "vocês estão vendo, quero um reconhecimento cabal da comunidade internacional, por meio das sanções, de quem realmente está cometendo a agressão aqui e como eu estou me comportando". Para ficar muito claro seu direito de legítima defesa futuramente. Mas as sanções não resolvem; a solução é a mudança de regime.
Folha - Mas isso exigindo intervenção internacional?
Cukier - Isso teria de acontecer naturalmente, com a morte dele [Kim Jong-il], uma ruptura. Mas a China teria de deixar isso acontecer, e ela não deixa, porque teme qual seria o resultado dessa ruptura em termos de refugiados e questões econômicas. Além disso, Pequim perderia esse "para-choque" entre seu território e a presença americana na Coreia do Sul. Em terceiro lugar, a China usa a Coreia do Norte como um peão político para seu xadrez regional e global. A Coreia do Norte cumpre o papel de causar problemas que a China não pode causar. Ou, quando a Coreia do Norte causa um problema, a China se mostra como quem pode trazer a solução.
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