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3 de fevereiro de 2012

Um dragão dança no Negev



M K Bhadrakumar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/China/NB02Ad01.html
Traduzido pela Vila Vudu
Não há registro da presença de dragões na história da vida nômade no deserto de Negev, que cobre, no mínimo, 4.000 anos (para alguns, 7.000). Também isso pode estar mudando, no Ano do Dragão.

Os beduínos do Negev logo começarão a ver uma linha férrea construída por chineses, serpenteando entre as montanhas castanhas, pedregosas, poeirentas e os wadis[1] e crateras, rumo norte, partindo da cidade-resort de Eilat, no Golfo de Aqaba, na direção do Mediterrâneo oriental.

Com importantes interesses plantados nos dois lados da fenda que divide o Golfo Persa – com os estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e com o Irã –, a China está empreendendo um salto espantoso, que a qualifica como master player na geopolítica do Oriente Médio, e está aprofundando os laços que a ligam a Israel, já convertidos em laços de parceria estratégica.

Paradoxalmente, no momento em que os EUA tentam prender o dragão no Mar do Sul da China e “contê-lo” no Pacífico Asiático, a China movimenta-se pelo flanco e faz sua dramática aparição no palco da cidadela da geoestratégia dos EUA no Oriente Médio. As implicações geoestratégicas são profundas.

Na cacofonia dos tambores de guerra que batem no Golfo Persa e no Levante, passou praticamente despercebida a troca de gentilezas entre Pequim e Telavive, semana passada, para marcar o 20º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. O que se viu foi mais do que simples cumprimentos protocolares.

Diplomacia para o que der e vier


O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu disse que seu país e a China fazem “combinação de sucesso” e que já podia antever uma “expansão dramática” dos laços que os unem. “Acho que mal tocamos a superfície das relações sino-israelenses” – disse Netanyahu na cerimônia em Telavive, 3ª-feira passada.

Na mensagem de saudação pelo aniversário, o presidente Hu Jintao disse que a China “atribui alta importância ao aprofundamento dos laços sino-israelenses e está pronta para empreender esforços conjuntos com Israel”. E o premiê Wen Jiabao observou que China e Israel têm “vasto potencial e amplas perspectivas para colaboração” e que Pequim “está pronta para continuar a manter e aprofundar” esses laços, e a elevá-los “a novo patamar”.

Falando na solenidade em Telavive, Netanyahu convidou Pequim a trabalhar com Israel para “enfrentar os desafios de garantir a paz no Oriente Médio”. O embaixador da China em Israel, também presente à cena, respondeu:

O mais amplo desenvolvimento das relações entre China e Israel não beneficiará apenas nossos dois países e povos, mas também muito contribuirá para a estabilidade regional, a paz no mundo e a prosperidade global.

Ante as transformações e novos ajustes em andamento [leia-se: a Primavera Árabe] na região e no mundo, o relacionamento China-Israel é hoje um novo marco histórico. Temos de continuar a trabalhar juntos, crescer juntos e juntos chegar ao sucesso, nos anos vindouros.

É ideia brilhante, bem pensada e corajosa, em região na qual nem os anjos se atrevem a andar sem escolta. Mas os laços entre China e Israel estão tão maduramente pensados, que, no instante em que Gao discursava em Telavive, seu contraparte na ONU, embaixador Li Baodong, comentava “o impasse” no processo de paz no Oriente Médio e reiterava o decidido apoio da China a um estado palestino, como parte de uma solução de Dois Estados, que restaure “o justo direito” do povo palestino.

Li disse que “a China apóia a criação de um estado palestino independente e plenamente soberano, com Jerusalém Leste como capital e nas fronteiras de 1967.” E Li condenou sem meias palavras a recente decisão do governo israelense, de aprovar planos para a expansão de novas colônias:

A China mantém-se intransigentemente contra o estabelecimento de colônias exclusivas para judeus nos territórios palestinos ocupados, inclusive em Jerusalém Leste. Conclamamos Israel a cessar imediatamente a construção de colônias; a agir com prudência e a trabalhar ativamente em colaboração com a comunidade internacional para promover a paz e criar condições para o reinício das negociações entre palestinos e israelenses.

O embaixador na ONU mostrou, imperturbável, que os cálidos sentimentos que se manifestavam mutuamente entre chineses e israelenses em Telavive naquele mesmo momento, absolutamente nada mudam na posição dos chineses quanto à outra questão.

Repete-se aqui a mesma surpreendente brilhante diplomacia chinesa para o Oriente Médio, já bem visível durante o recente tour de seis dias de Wen Jiabao pelos estados do Conselho de Cooperação do Golfo (ver “No Golfo, a China pesa para o “lado certo da história”, 17/1/2012, http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/01/no-golfo-china-pesa-para-o-lado-certo.html).

A diplomacia chinesa para o Oriente Médio está andando simultaneamente por três trilhas paralelas, engajando o Irã, os estados do Golfo e Israel. Pareceria talvez improvável, se se considera a ascensão do Irã e a concomitante hostilidade que essa ascensão desperta e faz crescer em Israel e nos estados do Golfo. Mas Pequim não vê aí qualquer contradição e trabalha para que as três trilhas, além do mais, sejam mutuamente complementares. Claro que se pode supor que, sim, um dia, essas três vias se complementarão e reforçarão mutuamente.

A grande beleza está em que esses três atores da história do Oriente Médio – Irã, o Conselho de Cooperação do Golfo e Israel – desejam igualmente ter as melhores relações com a China e manifestamente disputam as atenções do dragão. Eis aí criado e proposto um enigma praticamente inextricável para potências de fora que aspirem a ‘comandar’ a região – sejam EUA, União Europeia, Turquia ou Rússia.

Netanyahu disse que “vejo bem clara a necessidade da China de garantir suprimento regular de energia, para sustentar seu impressionante crescimento. Considero possível substituir o petróleo iraniano”. – Ainda alimenta esperanças de separar a China e o petróleo iraniano, embora Pequim absolutamente não cogite de enfraquecer seus laços com o Irã. O comércio entre China e Irã já chegou a US$45 bilhões; o comércio China-Israel é de $8 bilhões.

“Junção de dois continentes”
Mesmo assim, Israel fez uma massiva oferta de petróleo e gás das reservas da Bacia do Levante, no Mediterrâneo oriental. A área, de aproximadamente 32 mil milhas quadradas, inclui reservas em terra e no oceano, incluindo a Faixa de Gaza, Israel, Líbano, Síria e Chipre. Em 2010, o US Geological Survey

Por estimativas anteriores, ali haveria petróleo e gás suficiente para atender às exigências da segurança energética de Israel; mas medições mais recentes, à luz de reservas recém descobertas, mostram que há muito mais.

Já há planos para obras gigantescas de infraestrutura, incluindo instalações para liquefação de gás, a serem construídas no litoral de Israel, e rotas de transporte até os mercados viáveis para as exportações israelenses de energia. Essas entusiasmantes perspectivas de cooperação explicam a confiança de Netanyahu, em que o comércio bilateral com a China poderá duplicar em futuro muito próximo. (A China já aparece  como terceiro principal parceiro comercial de Israel, depois de EUA e União Europeia.)

O ministro dos Transportes de Israel, Yisrael Katz, esteve em Pequim em setembro e, como se leu recentemente, disse que “a capacidade profissional das empresas chinesas para construção de sistemas ferroviários e redes de transporte está entre as melhores do mundo.”

O Ministério dos Transportes de Israel tem repetido que Israel prefere que empresas estatais chinesas encarreguem-se da construção da chamada linha ferroviária “Med-Red”, que atravessará o Vale Zin do deserto de Negev, conectando o Mediterrâneo israelense às cidades costeiras de Haifa e Eilat, no Mar Vermelho.

Na sequência imediata, depois das conversações de Katz em Pequim, a China começou a trabalhar numa proposta conjunta com Israel, para o ramo Eilat. Empresas chinesas e israelenses podem executar juntas o projeto, e pode-se supor que os investimentos serão chineses.

Ora, os dois maiores campos de gás recentemente descobertos em Israel – Leviathan e Tamar – estão a 130 e 80 km de distância da cidade portuária de Haifa. Estimam-se em 16 trilhões de pés cúbicos (tcf) a reserva de Leviathan; e em pelo menos 8,4 tcf, a de Tamar. (Recentemente, foram descobertos outros dois campos de gás – Sarah e Mira –, ao largo do porto de Hadera, mais ao sul de Haifa.)

A conexão ferrovia-estrada facilitará a transferência do gás natural liquefeito da costa mediterrânea israelense para a costa do Mar Vermelho, de onde o gás poderá ser embarcado pelo Oceano Índico até a China. Outra vez, o elo de comunicação ampliará o escopo das exportações chinesas para a Europa central e do sul, e para os Bálcãs.

O relacionamento entre China e Israel sempre foi complexo, com altos e baixos. Mas o ministro israelense de Negócios Estrangeiros não errou ao dizer, semana passada, que os dois países vivem “nos anos recentes um florescimento em suas relações”.

2011 foi, de fato, um bom ano. Em maio, o comandante da Marinha chinesa, almirante Wu Shengli visitou Israel; depois, em agosto, esteve também em Israel o chefe do departamento de pessoal do Exército de Libertação do Povo, general Chen Bingde. Foi a primeira visita de comandante militar chinês a Israel.

Entre uma e outra visita, o ministro da Defesa de Israel Ehud Barak visitou a China, em julho. Também foi a primeira visita desse tipo. Em julho, os dois países assinaram um acordo de cooperação econômica. Nas palavras de Netanyahu, “Os laços bilaterais são importantes para nós; estamos comprometidos com expandi-los rapidamente, nos mais variados campos. Por isso, já dei ordens para que se aceitem todos os convites para visitar a China.”

Muito claramente, Israel e China estão posicionados para iniciar relacionamento profundo e altamente estratégico. Em reunião do Gabinete em Telavive, domingo passado, Netanyahu disse que trabalhará para desenvolver o projeto das redes ferroviária e rodoviária que ligarão Eilat ao norte de Israel, como uma “junção de dois continentes”. E destacou o interesse da China no projeto.

Pequim, com certeza, avaliou o imenso potencial estratégico de um projeto ousado de vias de transporte através do Negev, que deixará de lado o congestionado Canal de Suez no Egito, e poderá conectar Ásia e Europa. É quase como se Washington tivesse perdido o bonde da história.
estimava que ali haveria apenas 1,7 bilhões de barris de petróleo extraível e meros 122 trilhões de pés cúbicos (tfc) de gás extraível. 


[1] Rios intermitentes (secos durante a maior parte do ano; e cheios nos curtos períodos de chuva) [NT].

Juízo Final Blog

Um comentário:

  1. a cara , olha só essa notícia :

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/02/120202_curriculos_espanha_ai.shtml

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