Para o zodíaco chinês, 2012 será o ano do Dragão de água. Um personagem mitológico carregado de sucesso e de sorte, mas totalmente imprevisível e arriscando stresse excessivo. Ora, incerteza e picos de stresse é o que parece não faltar no próximo ano, segundo os treze académicos e analistas ouvidos pelo Expresso em pontos bem diferentes do planeta.
Previsões sólidas foram difíceis de arrancar. Os temas de preocupação são consensuais - crise do euro, Estados Unidos, China, bomba ao retardador dos desequilíbrios mundiais entre países excedentários e deficitários, e zonas de alto risco de conflito militar com impacto económico global -, mas o resultado final é uma interrogação.
O pano de fundo continua o mesmo - a convergência de uma crise financeira e económica de que já não havia memória desde os anos 1930 com uma nova fase da globalização que, desde os anos 1990, catapultou para a ribalta novos protagonistas na geoeconomia e na geopolítica.
Euro: ou vai ou racha
A crise do euro é o tema que mais opiniões atrai. O primeiro semestre parece ser crítico sobre a sua sorte. Dois países com peso surgem na ribalta: Itália e França. Globalmente, os países do euro terão de refinanciar 1 bilião de euros de dívida ao longo do ano. Os bancos da zona euro, só no primeiro semestre, terão de pagar €665 mil milhões de dívida que vence.
A Itália terá de se refinanciar em €440 mil milhões, sem contar com novas emissões de dívida, segundo o Departamento do Tesouro em Roma. "Só em março serão 200 mil milhões. O meu medo é que as condições de mercado fiquem fora de controlo, dada a inabilidade dos governos da zona euro. Se os juros dos títulos italianos galgam os 8%, podem tornar-se altamente voláteis e atingir níveis inimagináveis há uns meses atrás", refere-nos Diego Valiante, chefe de investigação no European Capital Markets Institute em Bruxelas. Valiante fala da Itália ser o ponto fraco do refinanciamento europeu em 2012 e de poder ser a surpresa desagradável do ano - o "cisne negro".
A hipótese de um incumprimento temporário, e nomeadamente doméstico (60% da dívida soberana é detida por italianos), não é descartada. Fabrizio Goria, editor do jornal financeiro Linkiesta, é mesmo mais radical: "A Itália vai necessitar de uma re-estruturação da dívida. Não é demasiado grande para falir - é demasiado grande para resgatar. O Fundo Europeu de Estabilização Financeira não é solução e o novo Mecanismo de Estabilização Europeu pode não chegar a tempo". Por isso, Hugo Dixon, editor do Reuters Breakingviews, em Londres, acha que a "Itália vai recorrer ao Fundo Monetário Internacional". Constantin Gurdgiev, um professor russo a lecionar no Trinity College, em Dublin, arrisca mesmo: "Itália pode ser um cisne negro na zona euro".
Por seu lado, a França "vai perder a sua notação de triplo A", diz-nos Fabrice Pelosi, editor financeiro do Yahoo! Finance, em Paris. O resultado será uma campanha eleitoral para as presidenciais em abril e maio renhida, com um disparo da extrema-direita. Os resultados destas eleições são ainda uma incógnita, mas Pelosi espera "um novo plano de austeridade, o aumento do desemprego e o levantar de voo dos juros nos mercados de dívida". Os resultados em França poderão, ainda, ter outra consequência: o colapso do eixo Merkozy (formado pela chanceler alemã Merkel e pelo atual presidente francês Nicolas Sarkozy).
A crise do euro abre, no entanto, oportunidades para os "de fora", diz o consultor indiano Ashutosh Sheshabalaya, responsável pela IndiaAdvisory, que reparte o seu tempo entre a Índia, Bélgica e Portugal. "Biliões de ativos europeus - excluindo os alemães - 'aflitos" serão apetitosos para os grupos financeiros ingleses e norte-americanos, para os conglomerados indianos e capitais chineses", afirma.
Olhada da Austrália, a crise do euro poderá desencadear "uma cadeia de acontecimentos", diz-nos Bill Lucarelli, professor na Universidade de Sidney. Um dos riscos é uma "escalada" da crise. "Se as atuais políticas de austeridade continuarem, é possível que os países periféricos deficitários entrem numa fase prolongada de deflação da dívida. Uma cascata de incumprimentos poderá vir a seguir a este processo acumulado de estagnação e declínio. Nestas circunstâncias extremas, a política monetária torna-se ineficaz e caímos numa situação similar à japonesa nas últimas décadas", sublinha o professor australiano.
O emagrecimento da zona euro é um cenário que deve ser considerado "realista", apesar do salto em frente que se pretende dar com o "compacto orçamental", dizem vários dos entrevistados. Michael Pettis, a partir de Beijing, é particularmente crítico: "A Alemanha não dá mostras de compreender o seu papel nesta crise" e há limites para a aceitação política da terapia de choque nos periféricos, pelo que vários países membros poderão "congelar os depósitos bancários e implorarem o processo de saída do euro", diz o professor de Finanças da Escola de Gestão Guanghua da Universidade de Beijing.
No entanto, a contra corrente, o finlandês Paavo Okko, professor da Universidade de Turku, acha que não haverá mais incumprimentos, mas apenas "alguns picos nos juros". A própria saída do euro por parte da Grécia não lhe parece que ocorra em 2012. Hugo Dixon é, também, de opinião que não haverá saídas do euro.
O custo de saídas individuais do euro, e mesmo da desintegração da zona euro, é muito elevado, sem dúvida, refere o alemão Ansgar Belke, da Universidade de Duisburg-Essen, mas "pode chegar o momento em que apenas um pequeno choque adicional é suficiente para forçar o colapso de toda a união monetária". Isso pode acontecer se o "limiar de dor" for alcançado por vários países da zona após um período de austeridade dolorosa e altos níveis de desemprego.
A possibilidade de períodos de "transição dual" durante 3 a 5 anos, com o euro e o regresso a uma moeda nacional lado a lado na contabilidade de empresas e de bancos de países da zona euro, é uma hipótese levantada por Sheshabalaya e por Gurdgiev, no caso de vários países abandonarem a moeda única em 2012.
EUA: intermitência do incumprimento
"Podem ocorrer momentos de incumprimento seletivo a cada dois meses até às eleições em novembro", diz Peter Cohan, que vê a luta política pré-eleitoral como o real problema norte-americano, podendo criar situações de crise aguda como em agosto de 2011. O que conduziu ao corte de notação triplo A no verão passado pela agência Standard & Poor's.
A economia real está muito melhor do que a imagem que é dada diariamente dos EUA, sublinha o analista de Boston. Em 2011 atingiram-se lucros recorde. E Cohan espera que em 2012 tais lucros sejam inclusive na ordem de dois dígitos e que a economia americana possa crescer 3%. Bob Eisenbeis, da consultora de investimentos norte-americana Cumberland Advisors, coloca a culpa no "comportamento disfuncional dos políticos em DC que não mostra sinais de mudança". Mas não crê que um novo corte de notação da dívida dos EUA, colocando-a abaixo do atual AA+ atribuído pela Standard & Poor's, se venha a verificar no próximo ano.
Por outro lado, como sublinha Constantin Gurdgiev, a predominância da China e do Médio Oriente na procura dos títulos do Tesouro norte-americanos vai acentuar-se. Os dois protagonistas terão a última palavra sobre o "imperialismo baseado na dívida" da superpotência, como o professor americano Michael Hudson baptizou a projecção global norte-americana desde os anos 1970. O que, também, tem outra implicação: o que quer que aconteça, de negativo, nesses espaços terá efeitos drásticos em Washington DC.
China: uma enorme interrogação
O principal desafio da China continua a ser domar o sobreaquecimento da economia e evitar um estoiro da "bolha" imobiliária, bem como fazer a transição para um novo modelo económico menos mercantilista (até aqui apostado nas exportações e na moeda desvalorizada artificialmente) e mais consumista internamente, já aprovado em março com o plano quinquenal 2011-2015. Um momento alto dessa transição será a eleição de uma nova liderança do Partido Comunista da China no 18º Congresso no outono.
Mas Michael Pettis, a partir de Beijing, tem dúvidas: "A China não conseguirá ainda concluir o seu debate interno sobre os passos a dar para reequilibrar a sua economia. Por isso, as taxas de crescimento continuarão elevadas, na ordem dos 7 a 8%. No entanto, os níveis de dívida dispararão, o suficiente para alarmar o mundo".
Além da projeção externa dos seus capitais, a China está apostada na afirmação internacional do yuan, a moeda chinesa. O recente acordo com o Japão encorajando as trocas comerciais a realizarem-se nas moedas respetivas, e não no dólar, é significativo de uma mudança de posição geopolítica que em 2012 poderá acentuar-se. A China é a segunda maior economia do mundo e o Japão a terceira - o simbolismo desta decisão é mais do que óbvio.
Repetição de 1937: uma hipótese não académica
O ano de 1937 ficou batizado, durante a Grande Depressão do início do século passado, como o do double-dip, ou recaída na recessão. O australiano Bill Lucarelli acha que pode repetir-se o mesmo padrão de então. Ele adianta que os desequilíbrios mundiais entre países excedentários e deficitários estão a avolumar-se e que a "paz" atual pode romper-se de um momento para o outro. Lucarelli usa a expressão de "balança do terror financeiro", cunhada por Larry Summers, ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton, em 2004, para caracterizar a situação de alto risco em que se vive.
Apesar das previsões de um crescimento mundial na ordem dos 3,6%, "o mito de que o mundo emergente se separou dos problemas da crise dos desenvolvidos poderá morrer em 2012", alvitra Michael Pettis. O resultado será um declínio abrupto do crescimento nessa parte do mundo que tem servido de motor desde o início do século, o que implicaria um cenário temível de sincronização do abrandamento em diversas geografias.
No entanto, o australiano Peter Drysdale acha que "as economias asiáticas emergentes ainda estão numa posição forte". "O potencial de crescimento permanece elevado. Isso não mudou com a crise mundial", refere o professor da Crawford School of Economics and Government da Universidade da Austrália, em Camberra. E recorda o caso do Japão entre as duas guerras mundiais do século XX que, apesar dos múltiplos choques que sofreu, cresceu, em termos reais, a mais de 4% ao ano, um nível excecional para os padrões da época. Recorde-se que os EUA, na década de 1930, cresceram, em média, 1,3%.
Na própria zona euro, o intervalo de variação pode ser significativo, diz Paavo Okko, entre a estagnação e uma recessão de 2% em média em toda a União Europeia, se a crise da dívida se agravar. "Em alguns países, 5% de quebra", parece-lhe provável e a assimetria pode acentuar-se, com países mantendo níveis de crescimento, como a Alemanha e os Nórdicos, face a largas manchas continentais de recessão e depressão.
Vários paióis geopolíticos
A par da luta pela hegemonia dentro da União Europeia e do crescente radicalismo dentro do Congresso norte-americano, há vários pontos do mundo à espera de um fósforo. O "Global FX Outlook 2012" da consultora Nomura fala em 10. Qualquer um deles tem carga suficiente para "sacudir os mercados".
A principal preocupação do analista Peter Cohan é um potencial conflito entre Israel e o Irão e o bloqueio do estreito de Ormuz, com os impactos que pode ter nos circuitos logísticos do petróleo e no seu preço, bem como no conflito mais generalizado que pode incendiar.
Mas surpresas podem acontecer, também, na Ásia - não faltam braseiros potenciais.
Para o australiano Peter Drysdale a "maior incerteza é saber qual vai ser a resposta americana, e em menor grau europeia, à China". Uma "ressaca" psicológica em 2012, com um ressentimento antichinês, particularmente nos EUA, poderá ser contraproducente, conclui.
Versão ampliada do artigo publicado na edição impressa de 30 de dezembro de 2011
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