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7 de fevereiro de 2012

Artigo:

O mundo e seus fantasmas



Passadas três gerações desde a segunda metade do século XX, temos que enfrentar a dura realidade em que vivemos: o mundo encontra-se novamente em um impasse de enormes proporções. Há sinais evidentes de que existe uma ruptura profunda na vida organizada das nações.

Washington Araújo, na Carta Maior
O mundo se encontra em um impasse, mas não percebe nem a natureza e nem as conseqüências do impasse. Qualquer observador minimamente informado da cena internacional percebe os sinais evidentes de que existe uma ruptura profunda na vida organizada das nações. Nos últimos 60-70 anos mais de uma centena de nações vieram à existência. Antes existiam apenas na forma de protetorados, dependentes de nações imperialistas que se proclamavam colonizadoras e, dessa forma, exploravam o trabalho humano e, principalmente, os recursos naturais de cada porção de terra anexada por meio de guerras em que, o poder de fogo dos armamentos de seu império, representava a própria lei e a opressão de uns sobre outros.

A Declaração Universal de Direitos Humanos, proclamada em 1948 é resultante de um mundo angustiado, fruto dos escombros gerados pela II Guerra Mundial e cindido entre “aliados” e “potências do Eixo”. E foi este documento supranacional que tratou de articular os direitos inalienáveis de todos os membros da família humana. Não constitui qualquer licença poética considerar os 30 artigos que formam a formidável Declaração de Direitos como o que melhor poderia expressar como sendo o conjunto de anseios e esperanças acalentados por gerações de homens e mulheres, crianças e idosos, das mais variadas raças, etnias e crenças religiosas - anseios e esperanças essas pelos quais todos de alguma maneira viveram, lutaram e morreram. É também ponto pacífico – sem qualquer ponta de ironia – o entendimento que guerras e conflitos sangrentos foram travados sempre que temas maiores como justiça, liberdade ou soberania nacional estiveram ameaçadas pela mão forte do opressor. E, ainda traz consigo a força de seu impulso vital, assemelhando-se de certa maneira a uma valiosa apólice de seguros - sem data de prescrição - para uma humanidade nunca acostumada ao contágio pelo vírus da guerra.

Crises: algumas expostas, outras crises incubadas

Passadas três gerações desde a segunda metade do século XX, temos que enfrentar a dura realidade em que vivemos: o mundo encontra-se novamente em um impasse de enormes proporções:

- Europa, desde 2008, submersa em gigantesca crise econômica e financeira: A Grécia conseguirá negociar sua absolutamente insolvente dívida? Conseguirão deter os galopantes índices de desemprego e sistemático corte de benefícios sociais nações desenvolvidas como França, Itália, Espanha, Portugal e Irlanda? Alemanha e França terão cacife político e financeiro para manter as bases que sustentam a União Européia tal como a conhecemos?

- Estados Unidos, desde a bancarrota do Lehmann Brothers em 2008, engolfado em profunda crise econômica e financeira: Combalido por fraudes monumentais em seus sistemas bancário e imobiliário, com credibilidade internacional ameaçada, dívida externa junto à China da ordem de US$ 4 trilhões, e tendo sua recuperação profundamente dependente do êxito de medidas duras a serem tomadas por países do zona Euro, crescimento econômico pífio nos últimos três anos e, para tingir de cores ainda mais vermelho-carmesim, arcando com custos de manutenção de duas guerras – Afeganistão e Iraque – e prenúncio de um conflito armado mais a ser deflagrado contra o Irã... como se safará do atoleiro paralisante em que se encontra? Detalhe: é o país pioneiro no uso de energia nuclear para fins militares (Hiroshima e Nagasaki sabem bem de seus efeitos) e possui atualmente o maior número de ogivas nucleares aptas para uso imediato.

- Irã x Ocidente (EUA, Israel, França, Reino Unido, Alemanha etc): O contencioso deteriora rapidamente. O Irã quer construir seu próprio armamento nuclear e ameaça fechar o estreito de Ormuz, por onde transita cerca de 30% de petróleo consumidos por vários países ocidentais. O Ocidente – à frente Estados Unidos da América, Israel e o Conselho de Segurança das Nações Unidas – aumenta sanções econômicas e políticas para consumar completo isolamento do país persa na cena internacional. E não descarta o uso de guerra declarada e aberta; restando saber qual país tomará a si a missão de destruir as instalações nucleares persas. Detalhe: ao menos uma dúzia de países ocidentais – mais Israel, dominam o ciclo de produção de bombas nucleares.

- Países árabes após a primavera – que ainda não acabou - iniciada em 2011: Qual configuração política, econômica e social acomodará as rápidas mudanças ocorridas em países enfronhados em ditaduras por dezenas de anos? Como será o Egito após Hosni Mubarak? Como será a Líbia após Muammar Kadhaffi? Qual o destino da Tunísia após Ben Ali? E a Síria de Bashar El-Assad, será engolfado por guerra civil? E como serão as relações desses países com o vizinho Israel? Países do Ocidente, com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, intervirão no conflito?

- Paquistão x Índia: Relação altamente instável em um clima de desconfiança mútua. O pomo da discórdia é o domínio da região da Caxemira – atualmente parte do território indiano. Conflitos religiosos atuam como estopim permanente entre as duas populações. Detalhe: os dois países possuem poderio nuclear.

- Rússia x Chechênia: após a queda do muro de Berlim em 1989, várias nações integrantes do chamado Bloco Soviético conseguiram sua independência política. Os chechenos, ao fim da fila, esperam lograr o mesmo que suas antigas nações coligadas. Sempre na iminência de conflito armado. Detalhe: a Rússia possui poderio nuclear.

- África: Somália, servindo involuntariamente como depósito de lixo nuclear de países europeus: O assunto entra na mídia internacional pelo viés da “pirataria nas águas internacionais da Somália, no leste da África”. Como de hábito, a imprensa internacional oculta as motivações e mesmo a realidade dos fatos noticiados, aproveitando-se da fragilidade de um país que vive há anos em pleno "estado de natureza", numa insólita situação hobbesiana, sem governo estável, em guerra civil permanente, fome generalizada, centenas de milhares de refugiados. Como se o cenário ainda pudesse ser pior, a Somália ainda é vítima da pesca ilegal de grandes companhias multinacionais, especialmente europeias, mas sobretudo, vem servindo como depósito de lixo tóxico e nuclear de empresas europeias e asiáticas. 

Existe apenas um planeta, um só povo - queiramos ou não

Há que se destacar que todas estas situações têm como pano de fundo a interdependência entre povos e nações, consolidada através do processo de ‘globalização econômica’ posta em movimento desde meados dos anos 1980. Desta forma, o efeito dominó é inevitável: sempre que um país europeu se torna insolvente – caso inicial da Grécia – os demais países do continente entram em zona de profunda turbulência e, também é o caso, uma instituição bancária de médio porte dos Estados Unidos com sérias dificuldades em honrar os compromissos pode levar ao contágio imediato de todo o sistema financeiro nacional, com graves repercussões na economia global. 

Quando observamos, segundo a segundo, nas redes sociais da internet, o grau de desamparo em que sobrevive grande parte da humanidade e quando nossos olhos são violentados por crianças "vestidas de pele e osso" em tantas nações africanas e asiáticas em contraponto com o desperdício acumulado no leito da civilização ocidental, agora tremendamente colapsada em seus fundamentos principais, podemos aferir quão completamente se transformou nossa maneira de ver o mundo e seus sinais. Encontramos, então, formidável corolário de razões para mostrar tanto consternação quanto indignação com o status quo do planeta.

É nesse cenário do limiar da segunda década do século XXI que torna-se imperativo e urgente encontrar um interlocutor, um poder, um sentimento supranacional que vocalize os esforços de povos e governos para se alcançar entendimentos comuns sobre assuntos que afetam e colocam em risco o futuro da humanidade. Assuntos que não podem esperar e que não se resolvem por si mesmos. Assuntos que envolvem intrincada teia de interesses nacionais, comerciais, financeiros. Mas, acima de tudo, relacionados com a estabilidade e a paz mundial, a questão do superaquecimento planetário e a preservação do meio ambiente. E nenhuma dessas questões requerem tratamento unilateral. Há que se construir o consenso internacional e através de organismos multilaterais devidamente legitimados pelo concerto das nações para enfrentar, propor e colocar em movimento políticas transnacionais que objetivem, muito acima dos interesses das partes, o bem-estar do todo. No caso, o bem-estar do mundo, como unidade planetária que é, sem contemplar interesses quase sempre mesquinhos que remontam aos antigos patriarcados, às milenares tribos e cidades-estados e as centenárias nações.

Um novo padrão de justiça

Algumas considerações são necessárias quanto à natureza do ser humano. Deve ficar evidente que todo ser humano tem certos direitos que lhe são inerentes e tais direitos podem ser enumerados ou deduzidos; não são conquistados nem adquiridos, mas são inerentes a todas as pessoas em virtude apenas de sua humanidade. Como também os direitos básicos de todo cidadão são irrevogáveis ou alienáveis - isto é, tais direitos nunca podem ser anulados nem negados por partes externas nem pelos próprios indivíduos envolvidos. Avancemos um pouco mais e veremos que os conflitos entre os direitos humanos devem ser resolvidos de acordo com leis e procedimentos justos e imparciais. Quanto a isto, saudamos com vigor a pesquisa antropológica contemporânea que está revendo a evidência que apoia o universalismo moral. Richard Beis identificou uns vinte preceitos morais que parecem ser transcultural. Eles incluem a proibição de assassinato ou mutilação sem justificativa; justiça econômica; reciprocidade e restituição; provisão para os pobres; o direito à propriedade; e prioridade para bens imateriais [tais como a liberdade]". Não menos verdadeira é a percepção de que a essência da história é que quando os pesquisadores quiserem procurar diferenças eles encontrarão diferenças, e se eles procurarem similaridades culturais cruzadas, estas também poderão ser descobertas rapidamente.

Tomando a figura como um todo, longe de nos deter em uma ou em uma dezena de árvores, urge visualizar a floresta inteira como uma única e poderosa imagem: o todo. E é inadiável reconhecer ser a justiça o único poder que pode traduzir a consciência emergente da unidade da raça humana em uma vontade coletiva através da qual as estruturas necessárias à vida comunitária global poderão ser erigidas com confiança. Vivemos em um tempo em que os povos do mundo têm acesso crescente a todos os tipos de informação e a uma multiplicidade de idéias. Este conjunto de condições, dificilmente imaginadas alguns decênios atrás, nos fará concluir a justiça se afirma como o princípio governante da organização social destinada ao êxito. 

De não menos importância, e com uma freqüência cada vez maior, as propostas que visam ao desenvolvimento do planeta terão de submeter-se à luz imparcial dos padrões exigidos pela justiça. E nunca será extemporâneo considerar que ao nível meramente individual, a justiça é aquela faculdade da alma humana que torna cada pessoa capaz de distinguir entre a verdade e a falsidade. Enquanto ao nível das nações a justiça requer imparcialidade de julgamento e eqüidade no tratamento dispensado aos outros, confirmando assim a regra de ouro das grandes vertentes religiosas e filosóficas. Nesse raciocínio excluo os sectarismos e divisionismos que costumam estar imantados na longa história da humanidade. Existe apenas um planeta, um só povo. Queiramos ou não.

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
Fonte: Outro Lado da Notícia

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